sábado, 26 de julho de 2025

 DOMINGO XVII DO TEMPO COMUM-2025-ANO C

Hoje, as leituras, de forma diferente, mas complementar, despertam-nos para a necessidade de orarmos. Também nos desafiam a estarmos atentos à forma como o fazemos, isto é, para o modo como escutamos Deus e nos relacionamos com Ele. Em todos os textos, de hoje, somos confrontados com uma relação de confiança total no Senhor Deus, nosso Pai, que se revela numa entrega sem qualquer reserva, numa intimidade total, numa comunhão de Amor, que envolve toda a humanidade, de todos os tempos. 

Na 1ªleitura (Gen 18, 20-32) é Abraão quem, de uma forma única e desconcertante, senão ousada, ou atrevida, mas totalmente confiante no Amor infinito de Deus, vai intercedendo pelos habitantes de Sodoma e Gomorra. É mesmo a oração de um filho que se dirige ao Pai, sabendo que Ele tem um coração, grande, imenso, no amor, e que dele faz a sua garantia. 

“Naqueles dias, disse o Senhor: «O clamor contra Sodoma e Gomorra é tão forte, o seu pecado é tão grave que Eu vou descer para verificar se o clamor que chegou até Mim corresponde inteiramente às suas obras. Se sim ou não, hei de sabê-lo». Os homens que tinham vindo à residência de Abraão dirigiram-se então para Sodoma, enquanto o Senhor continuava junto de Abraão. Este aproximou-se e disse: «Irás destruir o justo com o pecador? Talvez haja cinquenta justos na cidade. Matá-los-ás a todos? Não perdoarás a essa cidade, por causa dos cinquenta justos que nela residem? Longe de Ti fazer tal coisa: dar a morte ao justo e ao pecador, de modo que o justo e o pecador tenham a mesma sorte! Longe de Ti! O juiz de toda a terra não fará justiça?». O Senhor respondeu-lhe: «Se encontrar em Sodoma cinquenta justos, perdoarei a toda a cidade por causa deles». Abraão insistiu: «Atrevo-me a falar ao meu Senhor, eu que não passo de pó e cinza: talvez para cinquenta justos faltem cinco. Por causa de cinco, destruirás toda a cidade?». O Senhor respondeu: «Não a destruirei se lá encontrar quarenta e cinco justos». Abraão insistiu mais uma vez: «Talvez não se encontrem nela mais de quarenta». O Senhor respondeu: «Não a destruirei em atenção a esses quarenta». Abraão disse ainda: «Se o meu Senhor não levar a mal, falarei mais uma vez: talvez haja lá trinta justos». O Senhor respondeu: «Não farei a destruição, se lá encontrar esses trinta». Abraão insistiu novamente: «Atrevo-me ainda a falar ao meu Senhor: talvez não se encontrem lá mais de vinte justos». O Senhor respondeu: «Não destruirei a cidade em atenção a esses vinte». Abraão prosseguiu: «Se o meu Senhor não levar a mal, falarei ainda esta vez: talvez lá não se encontrem senão dez». O Senhor respondeu: «Em atenção a esses dez, não destruirei a cidade».”

Na 2ª leitura (Col 2, 12-14)  S.Paulo torna presente, para nós, que Cristo, durante toda a sua vida na terra, teve como preocupação constante fazer a vontade do Pai, viver em união perfeita com Ele. A sua comunhão com o Pai era total. E, mesmo vivendo assim em oração contínua, não prescindia de momentos de isolamento e intimidade com o Pai. É em Jesus, no alto da Cruz, que tomamos consciência de como deve ser a nossa oração.  Obrigada, Senhor Jesus, por nos amares assim. 

“Irmãos: Sepultados com Cristo no batismo, também com Ele fostes ressuscitados pela fé que tivestes no poder de Deus que O ressuscitou dos mortos. Quando estáveis mortos nos vossos pecados e na incircuncisão da vossa carne, Deus fez que voltásseis à vida com Cristo e perdoou-nos todas as nossas faltas. Anulou o documento da nossa dívida, com as suas disposições contra nós; suprimiu-o, cravando-o na cruz.” 

No Evangelho (Lc 11, 1-13) é o Senhor Jesus quem nos ensina a rezar, a pedido de um dos discípulos. Na oração que nos deixou ensina-nos a confiar totalmente em Deus, sem qualquer reserva, nem limite. Primeiro revela-nos a necessidade de sermos persistentes, insistentes, importunos e solidários na oração; depois desafia-nos a uma relação com o Pai, em todo e qualquer momento, sempre numa confiança  total e plena no Amor infinito de Deus por cada um de nós, numa comunhão crescente de intimidade e entrega.

“Naquele tempo, estava Jesus em oração em certo lugar. Ao terminar, disse-Lhe um dos discípulos: «Senhor, ensina-nos a orar, como João Baptista ensinou também os seus discípulos». Disse-lhes Jesus: «Quando orardes, dizei: ‘Pai, santificado seja o vosso nome; venha o vosso reino; dai-nos em cada dia o pão da nossa subsistência; perdoai-nos os nossos pecados, porque também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende; e não nos deixeis cair em tentação’». Disse-lhes ainda: «Se algum de vós tiver um amigo, poderá ter de ir a sua casa à meia-noite, para lhe dizer: ‘Amigo, empresta-me três pães, porque chegou de viagem um dos meus amigos e não tenho nada para lhe dar’. Ele poderá responder lá de dentro: ‘Não me incomodes; a porta está fechada, eu e os meus filhos estamos deitados e não posso levantar-me para te dar os pães’. Eu vos digo: Se ele não se levantar por ser amigo, ao menos, por causa da sua insistência, levantar-se-á para lhe dar tudo aquilo de que precisa. Também vos digo: Pedi e dar-se-vos-á; procurai e encontrareis; batei à porta e abrir-se-vos-á. Porque quem pede recebe; quem procura encontra e a quem bate à porta, abrir-se-á. Se um de vós for pai e um filho lhe pedir peixe, em vez de peixe dar-lhe-á uma serpente? E se lhe pedir um ovo, dar-lhe-á um escorpião? Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedem!».” 

Pai nosso, que estais no céu, santificado seja o Vosso nome, venha a nós o Vosso reino, seja feita a Vossa vontade, assim na terra como céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai-nos a nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Ámen.

Rezar com coragem, com constância, até com importunação, sem nunca se cansar; porque a oração não é uma varinha mágica, mas uma busca, um trabalho, uma luta que requer vontade, constância e determinação, frisou o Papa na missa, indicando também duas modalidades concretas de oração: a de Santa Mónica, para implorar a conversão de Agostinho e a de um pai de Buenos Aires — um seu conhecido — que ficou uma noite inteira agarrado ao portão do santuário de Luján para invocar a cura da sua filha moribunda.

Para a sua homilia, o Pontífice inspirou-se no trecho litúrgico do Evangelho de Lucas (11, 5-13), onde «há três realidades: um homem necessitado, um amigo e um pouco de pão». O primeiro dos três, ou seja o necessitado, não «esperava que àquela hora chegasse outro amigo à sua casa, e nada tinha para lhe oferecer, porque já tinham jantado». Então pensou consigo mesmo: «Irei ter com o meu amigo, que me dará algo e amanhã arranjar-me-ei com ele». E vai ter com «o amigo porque tem confiança nele, é seu amigo»; mas ele responde-lhe: «Espera um pouco. Olha que horas são... eu e os meus filhos estamos na cama. Não posso levantar-me» para ir «procurar algo» na despensa. Contudo — observou Francisco — o protagonista da narração «insiste para ter o pão».

Então, eis os elementos identificados pelo Papa para atualizar a reflexão: «A necessidade; o amigo; e outro amigo que tem pão. Assim o Senhor quer ensinar-nos a rezar. Diz o Senhor: “Digo-vos: embora não se levante para lhe dar o pão, porque se trata do seu amigo, levantar-se-á pelo menos por causa da sua insistência, para lhe dar os pães dos quais precisa”. Tudo. “Vem, toma o pão, os chouriços, toma tudo e leva-o para casa”». Em síntese: «insistência. É assim que o Senhor nos quer ensinar a rezar».

Eis as modalidades concretas de oração sugeridas pelo Papa. «Devemos rezar com coragem, pois quando oramos precisamos de algo». E Deus é um amigo, aliás, «um amigo rico que tem pão, dispõe daquilo de que precisamos». É, acrescentou Francisco, «como se Jesus dissesse: “Na oração sede importunos. Não vos canseis”. Mas não vos canseis do quê? De pedir. “Pedi e ser-vos-á dado”». Portanto, uma oração que se faz busca. A tal propósito, o Papa recomendou: «Procurai. E se uma porta estiver fechada, ide bater à outra. Procurai e encontrareis. Batei e ser-vos-á aberto. Sede importunos na oração, pois quem pede recebe, quem procura encontra, quem bate ser-lhe-á aberto». E «isto é bonito», comentou esclarecendo que «a oração não é como uma varinha mágica: nós recitamos a oração e... pum! E cumpre-se a graça».

Ao contrário, segundo o Papa, «a oração é um trabalho: uma labuta que requer vontade, constância e determinação, sem vergonha. Porquê? Porque eu bato à porta do meu amigo. Deus é amigo, e com um amigo posso fazer isto. Uma prece constante, importuna». Como a de Santa Mónica, por exemplo: «Quantos anos rezou assim, até com lágrimas, pela conversão do seu filho» Agostinho. «No final o Senhor abriu a porta. Mas se pedires, recitares dois “Pais-Nossos” e fores embora», quer dizer que «não desejas realmente o que pedes». Ao contrário, é preciso «pedir com insistência».

E para explicar o seu pensamento, o Papa inspirou-se mais uma vez nas experiências pessoais vividas na Argentina, evocando um acontecimento muito emocionante. «Acho que certa vez vos disse, mas não tenho a certeza: eu estava em Buenos Aires, num hospital havia uma menina de nove anos com uma doença infecciosa, contagiosa, e numa semana teria morrido». Quando «os médicos chamaram os seus pais, disseram-lhes: “Fizemos o possível, mas não há nada a fazer. Morrerá em duas ou três horas”». Então «o pai, que era um operário — um homem simples, trabalhador — e conhecia a realidade da vida como Jesus, saiu da clínica, deixou ali a sua esposa, apanhou um autocarro» e percorreu 70 km até ao santuário de Nossa Senhora de Luján. Saiu por volta das 18h00 e chegou às 20/21h00, quando o santuário já estava fechado. Mas «esse homem permaneceu ali a noite inteira, diante do santuário. Agarrou-se ao portão de entrada do santuário, e a noite inteira implorou a Nossa Senhora: “Quero a minha filha. Quero a minha filha. Tu podes dar-ma”. Depois, por volta das 5/6h da manhã, voltou a apanhar o autocarro e regressou». Chegou «mais ou menos às 9h30 e encontrou a esposa um pouco desorientada, sozinha. A menina não estava ali. Pensou no pior. E a mãe, a esposa, disse-lhe: “Sabes, os médicos levaram-na para fazer outro exame, não conseguem explicar porque ela despertou e pediu para comer, e não tem nada, está bem, fora de perigo”. Isto aconteceu. Estou certo». E o ensinamento tirado deste acontecimento é que «aquele homem talvez não fosse à missa todos os domingos, mas sabia rezar, sabia que quando» temos «uma necessidade, há um amigo que tem a possibilidade, tem o pão, tem a possibilidade de resolver um nosso problema». Por isso, «bateu à porta a noite inteira».

Certamente, trata-se de «um exemplo». Mas «há muitos», afirmou o Papa, salientando que a maior parte de «nós não sabe rezar. Orai um pouco: “Quero isto...”. Pensai nas crianças mimadas que, quando querem algo, gritam, se agitam, “Eu quero, eu quero!”. Choram e no final a mãe e o pai dizem: “Toma lá isto e vai, pelo menos assim não chateias”». Acontece o mesmo «com Deus. “Mas padre, Deus não se zangará se eu agir assim?”. Jesus prevê esta pergunta, dizendo: “Mas qual pai entre vós, se o filho lhe pedir um peixe, lhe dará uma serpente? Ou se lhe pedir um ovo, lhe dará um escorpião? Se vós, que sois maus — que sois pais maus, todos somos maus — sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, muito mais o vosso Pai celeste dará o Espírito Santo aos que lho pedirem!». De resto, Deus «é um amigo: dá sempre o bem. E mais: peço-lhe para resolver este problema, e Ele resolve-se, concedendo-te até o Espírito Santo. E mais!».

Disto sobressai uma consideração final, um convite da parte do Papa: «Pensemos um pouco: como rezo? Como um papagaio? Rezo precisamente com a necessidade no coração? Luto com Deus na oração, para que Ele me conceda aquilo de que tenho necessidade, se for justo? Aprendamos a rezar a partir deste trecho do Evangelho».

Papa Francisco
(Homilias matutinas na capela de Santa Marta, 11 de outubro de 2018)

sábado, 19 de julho de 2025

DOMINGO XVI DO TEMPO COMUM-2025-ANO C

As leituras, da liturgia de hoje,  convidam-nos a uma vivência concreta do evangelho no dia a dia da vida. Somos desafiados a acolher e a receber, com alegria no coração, todo aquele que vem até nós. Afinal, em todas as pessoas podemos encontrar o rosto de Deus e, com elas, partilhar o que Deus Amor nos dá continuamente.

Na 1ªleitura (Gen 18, 1-10a) Abraão faz o acolhimento de uma forma perfeita e interpela-nos, indiretamente, a fazer o mesmo com todo o que nos procura em casa, no trabalho, no nosso quotidiano, seja qual for a situação em que cada um se encontre. 

“Naqueles dias, o Senhor apareceu a Abraão junto do carvalho de Mambré. Abraão estava sentado à entrada da sua tenda, no maior calor do dia. Ergueu os olhos e viu três homens de pé diante dele. Logo que os viu, deixou a entrada da tenda e correu ao seu encontro; prostrou-se por terra e disse: «Meu Senhor, se agradei aos vossos olhos, não passeis adiante sem parar em casa do vosso servo. Mandarei vir água, para que possais lavar os pés e descansar debaixo desta árvore. Vou buscar um bocado de pão, para restaurardes as forças antes de continuardes o vosso caminho, pois não foi em vão que passastes diante da casa do vosso servo». Eles responderam: «Faz como disseste». Abraão apressou-se a ir à tenda onde estava Sara e disse-lhe: «Toma depressa três medidas de flor da farinha, amassa-a e coze uns pães no borralho». Abraão correu ao rebanho e escolheu um vitelo tenro e bom e entregou-o a um servo que se apressou a prepará-lo. Trouxe manteiga e leite e o vitelo já pronto e colocou-o diante deles; e, enquanto comiam, ficou de pé junto deles debaixo da árvore. Depois eles disseram-lhe: «Onde está Sara, tua esposa?». Abraão respondeu: «Está ali na tenda». E um deles disse: «Passarei novamente pela tua casa daqui a um ano e então Sara tua esposa terá um filho».”                                 

Na 2ªleitura (Col 1, 24-28) Paulo exorta-nos a viver de, com e em Cristo, tal como ele fez. Pela palavra de Deus que nos é anunciada, os mistérios vão-nos sendo revelados, tanto quanto o nosso coração os vais conseguindo entender. 

“Irmãos: Agora alegro-me com os sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta à paixão de Cristo, em benefício do seu corpo que é a Igreja. Dela me tornei ministro, em virtude do cargo que Deus me confiou a vosso respeito, isto é, anunciar-vos em plenitude a palavra de Deus, o mistério que ficou oculto ao longo dos séculos e que foi agora manifestado aos seus santos. Deus quis dar-lhes a conhecer em que consiste, entre os gentios, a glória inestimável deste mistério: Cristo no meio de vós, esperança da glória. E nós O anunciamos, advertindo todos os homens e instruindo-os em toda a sabedoria, a fim de os apresentarmos todos perfeitos em Cristo.”

O evangelho de hoje (Lc 10, 38-42) leva-nos a clarificar a necessidade de coexistirem a ação e a contemplação na caminhada para Deus. No entanto Jesus é claro, escutar a palavra de Deus vem sempre em primeiro lugar e, se Ele estiver presente, tudo passa a ter outro sentido, principalmente o nosso agir.

“Naquele tempo, Jesus entrou em certa povoação e uma mulher chamada Marta recebeu-O em sua casa. Ela tinha uma irmã chamada Maria, que, sentada aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra. Entretanto, Marta atarefava-se com muito serviço. Interveio então e disse: «Senhor, não Te importas que minha irmã me deixe sozinha a servir? Diz-lhe que venha ajudar-me». O Senhor respondeu-lhe: «Marta, Marta, andas inquieta e preocupada com muitas coisas, quando uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada».” 

Mãe Santa, Tu que soubeste sempre escolher a melhor parte, ensina-me a colocar tudo sempre nas mãos de Deus. Ensina-me querida Mãe a escutar, a amar, a descansar em Teu Filho. Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.

Queridos irmãos e irmãs!

Já estamos a meio do Verão, pelo menos no hemisfério boreal. Este é o período no qual as escolas estão fechadas e se concentra a maior parte das férias. Também as atividades pastorais das paróquias são reduzidas, e eu próprio suspendi durante um período as audiências. Este é portanto um momento favorável para dar o primeiro lugar ao que efetivamente é mais importante na vida, ou seja, a escuta da Palavra do Senhor. Recorda-no-lo também o Evangelho deste domingo, com o célebre episódio da visita de Jesus à casa de Marta e Maria, narrado por São Lucas (10, 38-42).

Marta e Maria são duas irmãs; têm também um irmão, Lázaro, que contudo neste caso não comparece. Jesus passa pela sua aldeia e – diz o texto – Marta hospeda-o (cf. 10, 38). Este pormenor dá a entender que, das duas, Marta é a mais idosa, a que governa a casa. De facto, depois de Jesus ter entrado, Maria senta-se aos seus pés e ouve-o, enquanto Marta andava atarefada com muitos serviços, certamente devidos ao Hóspede extraordinário. Parece que vemos a cena: uma irmã que anda toda atarefada, e a outra como que raptada pela presença do Mestre e das suas palavras. Um pouco depois Marta, evidentemente ressentida, não resiste mais e protesta, sentindo-se até no direito de criticar Jesus: "Senhor, não se Te dá que a minha irmã me deixe só a servir? Diz-lhe, pois, que me venha ajudar". Marta pretenderia até ensinar o Mestre! Mas Jesus, com grande calma, responde: "Marta, Marta – e este nome repetido exprime afeto – andas inquieta e perturbada com muitas coisas; mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada" (10, 41-42). A palavra de Cristo é claríssima: nenhum desprezo pela vida ativa, nem muito menos pela generosa hospitalidade; mas uma chamada clara ao facto de que a única coisa deveras necessária é outra; ouvir a Palavra do Senhor; e o Senhor naquele momento está ali, presente na Pessoa de Jesus! Tudo o resto passará e ser-nos-á tirado, mas a Palavra de Deus é eterna e dá sentido ao nosso agir quotidiano.

Queridos amigos, como dizia, esta página do Evangelho adapta-se como nunca ao tempo das férias, porque recorda o facto de que a pessoa humana deve trabalhar, comprometer-se nas ocupações domésticas e profissionais, mas antes de tudo precisa de Deus, que é a luz interior de Amor e de Verdade. Sem amor, até as atividades mais importantes perdem valor, e não dão alegria. Sem um significado profundo, todo o nosso fazer reduz-se a um ativismo estéril e desorganizado. E quem nos dá o Amor e a Verdade, a não ser Jesus Cristo? Portanto, aprendamos a ajudar-nos uns aos outros, a colaborar, mas antes ainda a escolher juntos a parte melhor, que é e será sempre o nosso maior bem.

Papa Bento XVI
(Angelus, 18 de julho de 2010)

sábado, 12 de julho de 2025

 DOMINGO XV DO TEMPO COMUM -2025- ANO C

As leituras deste domingo desafiam-nos a questionarmo-nos sobre quais são os fundamentos essenciais da nossa fé, o nosso selo de identificação, a nossa verdadeira identidade vivencial, enquanto cristãos: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. Pela forma como amamos o nosso próximo, ou não, percebemos a qualidade do nosso ser cristão, hoje, onde quer que estejamos e seja qual for a nossa situação.

Na 1ª leitura (Deut 30, 10-14) Moisés conduz-nos ao encontro de Deus, no mais profundo de nós mesmos. É, aí, quando o nosso coração se encontra com Ele, que a lei, que antes era imposição, passa a ser comunhão amorosa. Então, será possível amar até o inimigo, porque o Senhor, que nos habita, o ama em nós.  

Moisés falou ao povo, dizendo: «Escutarás a voz do Senhor teu Deus, cumprindo os seus preceitos e mandamentos que estão escritos no Livro da Lei, e converter-te-ás ao Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma. Este mandamento que hoje te imponho não está acima das tuas forças nem fora do teu alcance. Não está no céu, para que precises de dizer: ‘Quem irá por nós subir ao céu, para no-lo buscar e fazer ouvir, a fim de o pormos em prática?’. Não está para além dos mares, para que precises de dizer: ‘Quem irá por nós transpor os mares, para no-lo buscar e fazer ouvir, a fim de o pormos em prática?’. Esta palavra está perto de ti, está na tua boca e no teu coração, para que a possas pôr em prática»”.

Quando escutamos S.Paulo a falar de Jesus, como o faz na 2ª leitura (Col 1, 15-20) , é impossível ficar indiferente. O nosso coração percebe, melhor do que a mente, como é profunda a comunhão amorosa entre Jesus e o Pai. E é esse Amor infinito que chega até nós, por Jesus, que nos revela assim a dimensão amorosa de Deus, por cada um de nós. E porque Jesus todo Se entregou, S.Paulo, que fez a experiência do “encontro” com Ele, só podia apresenta-Lo assim:

“Cristo Jesus é a imagem de Deus invisível, o Primogénito de toda a criatura; porque n’Ele foram criadas todas as coisas no céu e na terra, visíveis e invisíveis, Tronos e Dominações, Principados e Potestades: por Ele e para Ele tudo foi criado. Ele é anterior a todas as coisas e n’Ele tudo subsiste. Ele é a cabeça da Igreja, que é o seu corpo. Ele é o Princípio, o Primogénito de entre os mortos; em tudo Ele tem o primeiro lugar. Aprouve a Deus que n’Ele residisse toda a plenitude e por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, estabelecendo a paz, pelo sangue da sua cruz, com todas as criaturas na terra e nos céus.”

No Evangelho (Lc 10, 25-37) é o próprio Jesus quem nos explica, através da parábola do bom samaritano, o que devemos fazer para sermos cristãos: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos” e, simultaneamente, também nos esclarece, claramente, sobre quem é o nosso próximo. Deixemos que Deus habite, por inteiro, o nosso coração e assim, tal como nos dizia Moisés, na 1ª leitura, poderemos pôr em prática o Amor de Deus na nossa vida, com as pessoas com quem vivemos, convivemos, trabalhamos, ou nos cruzamos, no nosso quotidiano.

Naquele tempo, levantou-se um doutor da lei e perguntou a Jesus para O experimentar: «Mestre, que hei de fazer para receber como herança a vida eterna?». Jesus disse-lhe: «Que está escrito na Lei? Como lês tu?». Ele respondeu: «Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento; e ao próximo como a ti mesmo». Disse-lhe Jesus: «Respondeste bem. Faz isso e viverás». Mas ele, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: «E quem é o meu próximo?». Jesus, tomando a palavra, disse: «Um homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores. Roubaram-lhe tudo o que levava, espancaram-no e foram-se embora, deixando-o meio morto. Por coincidência, descia pelo mesmo caminho um sacerdote; viu-o e passou adiante. Do mesmo modo, um levita que vinha por aquele lugar, viu-o e passou também adiante. Mas um samaritano, que ia de viagem, passou junto dele e, ao vê-lo, encheu-se de compaixão. Aproximou-se, ligou-lhe as feridas deitando azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte, tirou duas moedas, deu-as ao estalajadeiro e disse: ‘Trata bem dele; e o que gastares a mais eu to pagarei quando voltar’. Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores?». O doutor da lei respondeu: «O que teve compaixão dele». Disse-lhe Jesus: Então vai e faz o mesmo».” 

Senhor, que eu me deixe habitar, por inteiro, por Ti. Que sejas o meu único Senhor, o amor da minha vida. Ama em mim todos os que pões nos meus caminhos.

 Bom dia, amados irmãos e irmãs!

Hoje meditamos sobre a parábola do bom samaritano (cf. Lc 10, 25-37). Um doutor da Lei põe Jesus à prova com a seguinte pergunta: «Mestre, que devo fazer para ter a vida eterna?» (v. 25). Jesus diz-lhe que responda ele mesmo, e ele responde-lhe perfeitamente: «Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu pensamento; e ao teu próximo como a ti mesmo» (v. 27). E Jesus conclui: «Faz isto e viverás!» (v. 28).

Então, aquele homem faz outra pergunta, que se torna muito preciosa para nós: «Quem é o meu próximo?» (v. 29), e quer dizer: «Os meus parentes? Os meus compatriotas? Quantos pertencem à minha religião?...». Em síntese, deseja uma regra clara que lhe permita classificar os outros em «próximos» e «não próximos», naqueles que podem tornar-se próximos e em quantos não podem tornar-se tais.

E Jesus responde com uma parábola, que põe em cena um sacerdote, um levita e um samaritano. Os primeiros dois são figuras ligadas ao culto do templo; o terceiro é um judeu hebreu cismático, considerado como um estrangeiro, pagão e impuro, ou seja, o samaritano. Ao longo do caminho de Jerusalém para Jericó, o sacerdote e o levita deparam-se com um homem moribundo, que os salteadores tinham atacado, roubado e abandonado. Em situações semelhantes, a Lei do Senhor previa a obrigação de o socorrer, mas ambos passam sem parar. Estavam com pressa. O sacerdote talvez tenha olhado para o relógio, dizendo: «Mas eu chegarei tarde à Missa... Devo celebrar a Missa». E o outro disse: «Mas não sei se a Lei me permite fazer isto, porque aí há sangue, e eu ficarei impuro...». Vão por outro caminho e não se aproximam. E aqui a parábola oferece-nos um primeiro ensinamento: não é automático que quantos frequentam a casa de Deus e conhecem a sua misericórdia saibam amar o próximo. Não é automático! Tu podes conhecer a Bíblia inteira, podes conhecer todas as rubricas litúrgicas, podes conhecer toda a teologia, mas do conhecer não nasce espontaneamente o amar: o amar segue outro caminho; é necessária a inteligência, mas também algo mais... O sacerdote e o levita veem, mas ignoram; olham, mas não preveem. E no entanto, não existe culto autêntico se ele não se traduzir em serviço ao próximo. Nunca podemos esquecer: diante do sofrimento de tantas pessoas extenuadas pela fome, pela violência e pelas injustiças, não podemos permanecer espetadores. O que significa ignorar o sofrimento do homem? Significa ignorar Deus! Se não me aproximo daquele homem, daquela mulher, daquela criança, daquele idoso ou daquela idosa que sofre, não me aproximo de Deus.

Mas vamos ao âmago da parábola: o samaritano, ou seja, precisamente o desprezado, aquele em quem ninguém teria apostado algo e que no entanto, também ele, tinha os seus compromissos e os seus afazeres, mas quando viu o homem ferido, não foi além como os outros dois, que estavam ligados ao templo, mas «encheu-se de compaixão» (v. 33). Assim reza o Evangelho: «encheu-se de compaixão», isto é, o seu coração, as suas vísceras comoveram-se! Eis a diferença. Os outros dois «viram» mas os seus corações permaneceram fechados, insensíveis. Ao contrário, o coração do samaritano estava sintonizado com o coração do próprio Deus. Com efeito, a «compaixão» é uma característica essencial da misericórdia de Deus. Deus tem compaixão de nós. O que significa? Padece ao nosso lado, sente os nossos próprios sofrimentos. Compaixão quer dizer «padecer com». O verbo indica que as vísceras se movem e estremecem à vista do mal do homem. E nos gestos e ações do bom samaritano reconhecemos o agir misericordioso de Deus em toda a história da salvação. É a mesma compaixão com a qual o Senhor vem ao encontro de cada um de nós: Ele não nos ignora, conhece as nossas dores, sabe como temos necessidade de ajuda e de consolação. Aproxima-se de nós e nunca nos abandona. Cada um de nós deve colocar-se, a si mesmo, perante esta pergunta e responder no seu coração: «E eu creio? Acredito que o Senhor tem compaixão de mim, tal como sou, pecador, com tantos problemas e situações?». Pensemos nisto, e a resposta é: «Sim!». Mas cada um deve olhar para o próprio coração, se tem fé nesta compaixão de Deus, do Deus bom que se aproxima de nós, que nos cura e nos acaricia. E se o rejeitarmos, Ele espera-nos: é paciente, está sempre ao nosso lado.

O samaritano comporta-se com verdadeira misericórdia: cura as feridas daquele homem, transporta-o para uma hospedaria, cuida pessoalmente dele e provê a sua assistência. Tudo isto nos ensina que a compaixão, a caridade, não é um sentimento incerto, mas significa cuidar do outro até pagar pessoalmente por ele. Significa comprometer-se dando todos os passos necessários para «se aproximar» do outro até se identificar com ele: «Amarás o teu próximo como a ti mesmo». Eis o Mandamento do Senhor.

Concluindo a parábola, Jesus inverte a questão do doutor da Lei e pergunta-lhe: «Qual destes três parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores?» (v. 36). A resposta é finalmente inequívoca: «Aquele que foi misericordioso para com ele» (v. 27). No início da parábola, para o sacerdote e para o levita o próximo era o moribundo; no final, o próximo é o samaritano que se fez próximo. Jesus inverte a perspectiva: não classifiques os outros para ver quem é próximo e quem não é. Tu podes tornar-te próximo de quem quer que se encontre em necessidade, e sê-lo-ás se no teu coração sentires compaixão, ou seja, se tiveres a capacidade de padecer com o outro.

Esta parábola é para todos nós uma dádiva maravilhosa, mas também um compromisso! A cada um de nós, Jesus repete aquilo que disse ao doutor da Lei: «Vai, e também tu faz o mesmo!» (v. 37). Somos todos chamados a percorrer o mesmo caminho do bom samaritano, que é a figura de Cristo: Jesus debruçou-se sobre nós, fez-se nosso servo, e foi assim que nos salvou, para que também nós pudéssemos amar-nos como Ele nos amou, do mesmo modo.

Papa Francisco
(Audiência Geral, 27 de abril de 2016)

sábado, 5 de julho de 2025

DOMINGO XIV DO TEMPO COMUM – 2025 – Ano C

As leituras de hoje, têm como tema comum o envio em missão. Ontem, hoje e sempre, o Senhor envia em missão alguns, para anunciarem o amor de Deus, manifestado em Cristo Jesus, que deu a vida por todos e por cada um em particular, sem exceção de pessoa alguma.

Na 1ª leitura (Is 66, 10-14c)  o enviado é Isaías, que nos convida à alegria. Alegria porquê? Porque Deus nos ama como a mãe, que amamenta os seus filhos e os cobre de carinho e ternura. Sim, Deus  é Pai e Mãe ao mesmo tempo e o Seu Amor por nós é completo. Alegremo-nos, porque somos os filhos amados de Deus, no Seu Filho Unigénito. 

"Alegrai-vos com Jerusalém, exultai com ela, todos vós que a amais. Com ela enchei-vos de júbilo, todos vós que participastes no seu luto. Assim podereis beber e saciar-vos com o leite das suas consolações, podereis deliciar-vos no seio da sua magnificência. Porque assim fala o Senhor: «Farei correr para Jerusalém a paz como um rio e a riqueza das nações como torrente transbordante. Os seus meninos de peito serão levados ao colo e acariciados sobre os joelhos. Como a mãe que anima o seu filho, também Eu vos confortarei: em Jerusalém sereis consolados. Quando o virdes, alegrar-se-á o vosso coração e, como a verdura, retomarão vigor os vossos membros. A mão do Senhor manifestar-se-á aos seus servos. "

Na 2ªleitura (Gal 6, 14-18)  S.Paulo surge-nos em missão, anunciando que se gloria na Cruz de Cristo. Sim, a Cruz foi o trono de glória de Nosso Senhor Jesus Cristo. Daí, onde e quando tudo parecia terminado, surge a Nova Criatura, que nos traz a paz e a misericórdia de Deus. É Deus que se nos revela nos Seu Amor infinito por cada um de nós.

"Irmãos: Longe de mim gloriar-me, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo. Pois nem a circuncisão nem a incircuncisão valem alguma coisa: o que tem valor é a nova criatura. Paz e misericórdia para quantos seguirem esta norma, bem como para o Israel de Deus. Doravante ninguém me importune, porque eu trago no meu corpo os estigmas de Jesus. Irmãos, a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com o vosso espírito. Amen."

No Evangelho (Lc 10, 1-12.17-20) S.Lucas diz-nos que são enviados 72 discípulos, significando este número, que o anúncio da Boa Nova do Reino se destina a toda a humanidade, não ficando ninguém excluído. E vão dois a dois, o que quer dizer, que um missionário nunca vai só, a comunidade, a partir da qual é enviado, fica em comunhão com ele, enquanto estiver em missão. Vão anunciar: a Paz; a libertação; que o reino de Deus está tão perto de nós, que nos coabita; que o Senhor Jesus ressuscitou e está vivo no meio de nós. Cada cristão, hoje em dia, também é chamado a ser missionário no local onde vive, ou quando se desloca, no trabalho, nos seus contactos sociais, enfim, em todo o lado, onde quer que se cruze com alguém, ao longo de cada jornada.

"Naquele tempo, designou o Senhor setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir. E dizia-lhes: «A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi ao dono da seara que mande trabalhadores para a sua seara. Ide: Eu vos envio como cordeiros para o meio de lobos. Não leveis bolsa nem alforge nem sandálias, nem vos demoreis a saudar alguém pelo caminho. Quando entrardes nalguma casa, dizei primeiro: ‘Paz a esta casa’. E se lá houver gente de paz, a vossa paz repousará sobre eles; senão, ficará convosco. Ficai nessa casa, comei e bebei do que tiverem, que o trabalhador merece o seu salário. Não andeis de casa em casa. Quando entrardes nalguma cidade e vos receberem, comei do que vos servirem, curai os enfermos que nela houver e dizei-lhes: ‘Está perto de vós o reino de Deus’. Mas quando entrardes nalguma cidade e não vos receberem, saí à praça pública e dizei: ‘Até o pó da vossa cidade que se pegou aos nossos pés sacudimos para vós. No entanto, ficai sabendo: Está perto o reino de Deus’. Eu vos digo: Haverá mais tolerância, naquele dia, para Sodoma do que para essa cidade». Os setenta e dois discípulos voltaram cheios de alegria, dizendo: «Senhor, até os demónios nos obedeciam em teu nome». Jesus respondeu-lhes: «Eu via Satanás cair do céu como um relâmpago. Dei-vos o poder de pisar serpentes e escorpiões e dominar toda a força do inimigo; nada poderá causar-vos dano. Contudo, não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem; alegrai-vos antes porque os vossos nomes estão escritos nos Céus»."

Senhor, ilumina-me e ensina-me a dar testemunho de Ti, ao longo de cada dia.


Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

A página do Evangelho de hoje (cf. Lc 10, 1-12.17-20) apresenta Jesus que além dos doze apóstolos envia em missão setenta e dois discípulos. Provavelmente o número setenta e dois indica todas as nações. Com efeito, no livro do Génesis mencionam-se setenta e duas nações diferentes (cf. 10, 1-32). Assim, este envio prefigura a missão da Igreja de anunciar o Evangelho a todos os povos. Àqueles discípulos, Jesus diz: «A messe é abundante, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto, ao dono da messe a fim de que envie trabalhadores para a sua messe!» (v. 2).

Este pedido de Jesus é sempre válido. Devemos rezar incessantemente ao «dono da messe», isto é, a Deus Pai, a fim de que envie operários para trabalhar no seu campo, que é o mundo. E cada um de nós deve fazê-lo com o coração aberto, com uma atitude missionária; a nossa oração não deve limitar-se apenas às nossas carências, às nossas necessidades: uma oração é verdadeiramente cristã se tiver também uma dimensão universal.

Ao enviar os setenta e dois discípulos, Jesus dá-lhes instruções específicas, que manifestam as caraterísticas da missão. A primeira — já vimos — é rogai; a segunda, ide; e depois: Não leveis bolsa, nem alforje...; dizei: «A paz esteja nesta casa»... Permanecei naquela casa... Não andeis de casa em casa... Curai os doentes que nela houver e dizei-lhes: «O Reino de Deus já está próximo de vós!»; e, se não vos receberem, saí à praça pública e despedi-vos (cf. vv. 2-10). Estes imperativos mostram que a missão se baseia na oração; que é itinerante, não está parada, é itinerante; que exige desapego e pobreza; que traz paz e cura, sinais da proximidade do Reino de Deus; que não é proselitismo, mas anúncio e testemunho; e que exige também a franqueza e a liberdade evangélica para partir, salientando a responsabilidade de ter rejeitado a mensagem de salvação, mas sem condenações nem maldições.

Se for vivida nestes termos, a missão da Igreja será caraterizada pela alegria. E como acaba este trecho? «Os setenta e dois discípulos voltaram cheios de alegria» (v. 17). Não se trata de uma alegria efémera, que brota do sucesso da missão; pelo contrário, é uma alegria radicada na promessa de que — diz Jesus — «os vossos nomes estão escritos no Céu» (v. 20). Com esta expressão, Ele quer dizer a alegria interior, a alegria indestrutível que nasce da consciência de ser chamado por Deus a seguir o seu Filho. Ou seja, a alegria de ser seus discípulos. Hoje, por exemplo, cada um de nós aqui na Praça pode pensar no nome que recebeu no dia do Batismo: esse nome está «escrito no Céu», no Coração de Deus Pai. É a alegria deste dom que faz de cada discípulo um missionário, alguém que caminha em companhia do Senhor Jesus, que dele aprende a dedicar-se sem reservas aos outros, livre de si mesmo e dos próprios bens.

Invoquemos juntos a proteção maternal de Maria Santíssima, para que Ela ampare em todos os lugares a missão dos discípulos de Cristo, a missão de anunciar a todos que Deus nos ama, quer salvar-nos e nos chama a fazer parte de seu Reino.

Papa Francisco
(Angelus, 7 de julho de 2019)