sábado, 1 de fevereiro de 2025

Ano C -2025

 APRESENTAÇÃO DO SENHOR

Neste domingo celebramos a Festa da Apresentação do Senhor. Esta data é celebrada quarenta dias após o Natal, isto é, sempre no dia 2 de fevereiro, seja qual for o dia da semana. Neste ano, o dia coincidiu  com o IV Domingo do Tempo Comum, pelo que a liturgia deste domingo foi substituída pela liturgia própria da Festa da Apresentação. Neste dia a Igreja faz memória de Nossa Senhora das Candeias, da Luz, da Purificação ou da Candelária.

Nas leituras de hoje, há um apelo imenso a estarmos atentos aos sinais (dos tempos) que o Senhor coloca nos nossos caminhos. E, o mais intrigante, é o facto de serem duas pessoas já bem entradas na idade, Simeão e Ana, que aprenderam a viver de e com Deus, ao longo dos seus dias, cada um ao seu jeito, que nos despertam para a necessidade de estarmos atentos também aos sinais dos dias de hoje, em qualquer idade. A verdade é que nunca se sabe o momento, nem através de quem o Senhor Se nos revelará. Sim, os idosos não são descartáveis, ainda que estejam frágeis, debilitados e doentes, antes pelo contrário, pois como diz o papa Francisco, “A Igreja deve habituar-se a incluir os idosos nos seus horizontes e a considerá-los, «de maneira não episódica, como uma das componentes vitais» das comunidades católicas, porque eles não são apenas pessoas a quem os cristãos são chamados a assistir e proteger, «mas podem ser atores de uma pastoral evangelizadora, testemunhas privilegiadas do amor fiel de Deus»”.

 

Na 1ªleitura (Mal 3, 1-4) o profeta Malaquias faz-nos ver, por antecipação, o tempo em que o Senhor se manifestará através de Jesus, n’Ele Deus revela-se em plenitude e torna-se presente no meio de nós. Por Jesus seremos purificados e resgatados no e pelo Seu sangue, e então sim, a partir dessa comunhão de coração, também nós iremos crescendo na graça de Deus, na perscruta de um coração dócil e humilde, capaz de ler e acolher os sinais que Ele vai colocando nos caminhos da vida  e assim fazer oblações agradáveis ao Senhor, nosso Deus. 

“Assim fala o Senhor Deus: «Vou enviar o meu mensageiro, para preparar o caminho diante de Mim. Imediatamente entrará no seu templo o Senhor a quem buscais, o Anjo da Aliança por quem suspirais. Ele aí vem – diz o Senhor do Universo –. Mas quem poderá suportar o dia da sua vinda, quem resistirá quando Ele aparecer? Ele é como o fogo do fundidor e como a lixívia dos lavandeiros. Sentar-Se-á para fundir e purificar: purificará os filhos de Levi, como se purifica o ouro e a prata, e eles serão para o Senhor os que apresentam a oblação segundo a justiça. Então a oblação de Judá e de Jerusalém será agradável ao Senhor, como nos dias antigos, como nos anos de outrora.”

Na 2ªleitura (Hebr 2, 14-18) é S.Paulo quem nos ajuda a centralizar a apresentação do Menino no templo, no todo da vida de Jesus entre nós, relembrando-nos que Jesus, em tudo se tornou semelhante a nós, até nos mais pequenos pormenores. Incarnou num povo, viveu numa determinada região, sujeitando-se a todas as condições da vida humana do seu tempo e, por fim, inocente, foi condenado como se fosse o maior dos pecadores. Nada, do que possamos sofrer, é desconhecido do nosso Salvador, pois a tudo se sujeitou, por Amor, só por puro e total Amor. Oh, que mistério é este de Amor tão profundo! Deus é Amor e só Amor! E, nada mais há a acrescentar! Deixemo-nos inundar por este Amor, para que Ele possa chegar a todos aqueles a quem que o Senhor quer manifestar-se, hoje, através de cada um de nós. 

“Uma vez que os filhos dos homens têm o mesmo sangue e a mesma carne, também Jesus participou igualmente da mesma natureza, para destruir, pela sua morte, aquele que tinha poder sobre a morte, isto é, o diabo, e libertar aqueles que estavam a vida inteira sujeitos à servidão, pelo temor da morte. Porque Ele não veio em auxílio dos Anjos, mas dos descendentes de Abraão. Por isso devia tornar-Se semelhante em tudo aos seus irmãos, para ser um sumo sacerdote misericordioso e fiel no serviço de Deus, e assim expiar os pecados do povo. De facto, porque Ele próprio foi provado pelo sofrimento, pode socorrer aqueles que sofrem provação.”

No Evangelho (Lc 2, 22-40) S. Lucas torna presente a apresentação do Menino Jesus no templo. Sendo o Filho de Deus, não precisava de nenhum ritual de apresentação ao Pai, mas de nada se escusou, para assim, em tudo, nos assumir. E, à medida que foi cumprindo tudo o que o Pai Lhe pedira, vai-nos revelando a todos, aos de ontem, aos de hoje, ou aos de amanhã, a verdadeira face de Deus, Uno e Trino, Amor infinito por cada ser por Ele criado. As pessoas que conviveram com Jesus, conheceram-no enquanto homem, mas nem todas O reconheceram como o Filho de Deus. Tirando S.José e Nossa Senhora, que foram os primeiros a contemplar o Mistério do Amor de Deus, só alguns, que tinham o coração simples e humilde, como Simeão e Ana  é que se deixaram conduzir por Deus, de tal modo, que os seus corações exultaram de alegria ao contemplar n’Ele as maravilhas de Deus. Bendito e louvado sejas, hoje e sempre, pelos séculos sem fim. 

“Ao chegarem os dias da purificação, segundo a Lei de Moisés, Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, para O apresentarem ao Senhor, como está escrito na Lei do Senhor: «Todo o filho primogénito varão será consagrado ao Senhor», e para oferecerem em sacrifício um par de rolas ou duas pombinhas, como se diz na Lei do Senhor. Vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão, homem justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava nele. O Espírito Santo revelara-lhe que não morreria antes de ver o Messias do Senhor; e veio ao templo, movido pelo Espírito. Quando os pais de Jesus trouxeram o Menino para cumprirem as prescrições da Lei no que lhes dizia respeito, Simeão recebeu-O em seus braços e bendisse a Deus, exclamando: «Agora, Senhor, segundo a vossa palavra, deixareis ir em paz o vosso servo, porque os meus olhos viram a vossa salvação, que pusestes ao alcance de todos os povos: luz para se revelar às nações e glória de Israel, vosso povo». O pai e a mãe do Menino Jesus estavam admirados com o que d’Ele se dizia. Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua Mãe: «Este Menino foi estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição; – e uma espada trespassará a tua alma – assim se revelarão os pensamentos de todos os corações». Havia também uma profetiza, Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Era de idade muito avançada e tinha vivido casada sete anos após o tempo de donzela e viúva até aos oitenta e quatro. Não se afastava do templo, servindo a Deus noite e dia, com jejuns e orações. Estando presente na mesma ocasião, começou também a louvar a Deus e a falar acerca do Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém. Cumpridas todas as prescrições da Lei do Senhor, voltaram para a Galileia, para a sua cidade de Nazaré. Entretanto, o Menino crescia e tornava-Se robusto, enchendo-Se de sabedoria. E a graça de Deus estava com Ele.”

Que um dia Senhor, na plenitude dos tempos, Tu sejas tudo em todos!

Ao povo que esperava a salvação do Senhor, os profetas anunciavam a sua vinda, como afirma o profeta Malaquias: «Entrará no seu santuário o Senhor, que vós procurais, e o mensageiro da aliança, que vós desejais. Ei-lo que chega!» (3, 1). Simeão e Ana são imagem e figura desta expetativa. Veem entrar o Senhor no seu santuário e, iluminados pelo Espírito Santo, reconhecem-No no Menino que Maria traz ao colo. Esperaram por Ele durante toda a vida: Simeão, homem «justo e piedoso que esperava a consolação de Israel» (Lc 2, 25), e Ana, que «não se afastava do templo» (Lc 2, 37).

Faz-nos bem contemplar estes dois anciãos, pacientes na expetativa, vigilantes no espírito e perseverantes na oração. O seu coração manteve-se desperto, como uma tocha sempre acesa. São de idade avançada, mas têm a juventude do coração; não se deixam desgastar pelos dias, porque, na expetativa, os seus olhos permanecem voltados para Deus (cf. Sal 145, 15)... voltados para Deus em expetativa, sempre à espera. Ao longo do caminho da vida, sentiram dificuldades e desilusões, mas não cederam ao derrotismo: não «mandaram para a reforma» a esperança. E assim, ao contemplar o Menino, reconhecem que o tempo se completou, que a profecia se realizou; Aquele que procuravam e por Quem suspiravam, o Messias das nações, chegou. Mantendo viva a expetativa do Senhor, tornam-se capazes de O acolher na novidade da sua vinda.

Irmãos e irmãs, a expetativa de Deus é importante também para nós, para o nosso caminho de fé. Todos os dias, nos visita o Senhor: fala-nos, revela-Se-nos de maneira inesperada e há de vir no fim da vida e dos tempos. Por isso, Ele mesmo nos exorta a permanecer despertos, a vigiar, a perseverar na expetativa. De facto, a pior coisa que nos pode acontecer é deixar-nos cair no «sono do espírito»: adormecer o coração, anestesiar a alma, arquivar a esperança nos cantos obscuros das desilusões e resignações.

Penso em vós, irmãs e irmãos consagrados, e no dom que sois; penso em cada um de nós, cristãos de hoje… Ainda somos capazes de viver a expetativa? Não ficaremos às vezes demasiado ocupados connosco próprios, com as coisas e os ritmos intensos de cada dia, a ponto de nos esquecermos de Deus que sempre vem? Porventura não estaremos demasiado enleados com as nossas obras de bem-fazer, arriscando-nos a reduzir a própria vida consagrada e cristã às «muitas coisas a fazer» e negligenciando a busca diária do Senhor? Não correremos por vezes o risco de programar a vida pessoal e a vida comunitária com base no cálculo das possibilidades de sucesso, em vez de cultivar com alegria e humildade a pequena semente que nos foi confiada, na paciência de quem semeia sem esperar recompensa e de quem sabe esperar pelos tempos e as surpresas de Deus? Às vezes – temos de o reconhecer – perdemos esta capacidade de esperar. Isto depende de vários obstáculos, dos quais me apraz destacar dois.

O primeiro obstáculo que nos faz perder a capacidade de esperar é a negligência da vida interior. Acontece quando o cansaço prevalece sobre o encanto, quando o hábito ocupa o lugar do entusiasmo, quando perdemos a perseverança no caminho espiritual, quando as experiências negativas, os conflitos ou a demora no aparecimento dos frutos nos transformam em pessoas amargas e amarguradas. Não nos faz bem ruminar a amargura, porque, numa família religiosa – como em qualquer comunidade e família –, as pessoas amarguradas e de «cara triste» tornam a atmosfera pesada; são pessoas que parecem ter vinagre no coração. Então é necessário recuperar a graça perdida: voltar atrás e, através duma vida interior intensa, regressar ao espírito de humildade jubilosa, de silenciosa gratidão. E isto alimenta-se com a adoração, com o trabalho rezado e feito de coração, com a oração concreta que luta e intercede, capaz de despertar o anélito de Deus, o amor de outrora, o encanto do primeiro dia, o gosto da expetativa.

O segundo obstáculo é a adaptação ao estilo do mundo, que acaba por ocupar o lugar do Evangelho. E o nosso é um mundo que frequentemente corre a grande velocidade, que exalta o «tudo e já», que se consome no ativismo e procura exorcizar os medos e as angústias da vida nos templos pagãos do consumismo ou da diversão a todo o custo. Em tal contexto, onde é banido e se perdeu o silêncio, esperar não é fácil, porque exige um comportamento de sadia passividade, a coragem de abrandar o passo, de não nos deixarmos dominar pelas atividades, de criar espaço dentro de nós para a ação de Deus, como ensina a mística cristã. Por conseguinte estejamos atentos para que o espírito mundano não entre nas nossas comunidades religiosas, na vida eclesial e no caminho de cada um de nós; caso contrário, não daremos fruto. A vida cristã e a missão apostólica precisam que a expetativa, amadurecida na oração e na fidelidade diária, nos liberte do mito da eficiência, da obsessão do lucro e, sobretudo, da pretensão de encerrar Deus nas nossas categorias, porque Ele vem sempre de modo imprevisível, vem sempre em tempos que não são os nossos e sob forma diferente da que esperávamos.

Como afirma a mística e filósofa francesa Simone Weil, somos a noiva que espera durante a noite a chegada do noivo, e «o papel da futura esposa é a expetativa (…). Desejar Deus e renunciar a tudo o mais: nisto apenas consiste a salvação» (S. Weil, Expetativa de Deus, Milão 1991, 152). Irmãs, irmãos, cultivemos na oração a expetativa do Senhor e aprendamos a «passividade boa do Espírito»: assim seremos capazes de nos abrir à novidade de Deus.

Como Simeão, tomemos nos braços, também nós, o Menino, o Deus da novidade e das surpresas. Acolhendo o Senhor, o passado abre-se ao futuro, o velho que sobrevive em nós abre-se ao novo que Ele gera. Sabemos que isto não é simples, porque, na vida religiosa – como aliás na de cada cristão –, é difícil opor-se à «força do velho»: «de facto, não é fácil para o velho que há em nós acolher a criança, o novo – acolher o novo, na nossa velhice, acolher o novo - (…). A novidade de Deus apresenta-se como uma criança e nós, com todos os nossos hábitos, medos, temores, invejas – atenção às invejas! –, preocupações, temos à nossa frente esta criança. Abraçá-la-emos, acolhê-la-emos, dar-lhe-emos espaço? Esta novidade entrará verdadeiramente na nossa vida ou, ao contrário, tentaremos compaginar velho e novo, procurando deixar-nos perturbar o menos possível pela presença da novidade de Deus?» (C. M. Martini, Algo de muito pessoal. Meditações sobre a Oração, Milão 2009, 32-33).

Irmãos e irmãs, estas perguntas são-nos dirigidas a nós, a cada um de nós, são dirigidas às nossas comunidades, são dirigidas à Igreja. Deixemo-nos interpelar, deixemo-nos mover pelo Espírito, como Simeão e Ana. Se vivermos, como eles, a expetativa salvaguardando a vida interior e permanecendo coerentes com o estilo do Evangelho, se vivermos, como eles, a expetativa, abraçaremos Jesus, que é luz e esperança da vida.

Papa Francisco
(Homilia, 2 de fevereiro de 2024)

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