Ano C -2025
DOMINGO VII DO TEMPO COMUM
Nas leituras deste domingo somos desafiados a ultrapassarmo-nos a nós
próprios, enquanto seres humanos, é-nos proposto: que elevemos a fasquia até à
medida alta; que deixemos habitar em nós “o homem celeste”; que passemos a amar
o inimigo e a fazer bem a quem nos faz mal. Somos confrontados com a forma como
vivemos a nossa fé e motivados a viver verdadeiramente como cristãos.
Na 1ªleitura (1 Sam 26, 2.7-9.12-13.22-23) é David quem nos dá exemplo. Foi um homem que chorou e pediu perdão
pelos pecados cometidos e, apesar dos seus pecados, foi considerado um homem
justo aos olhos de Deus. O mais importante para o Senhor é a conversão sincera,
de coração. Nesta leitura David mostra bem porque foi ungido, escolhido pelo
Senhor: perseguido por Saul, quando se infiltra no meio das tropas e tem o rei
à sua mercê, a dormir, não o mata, impede também que o seu amigo Abisaí o faça
e apenas leva, da cabeceira de Saul, a lança e o cantil, para lhe demonstrar
como respeita a sua vida. Isto sim é amar quem nos faz mal. Peçamos ao Senhor
que nos ensine a amar assim, todos os que fazem parte da nossa vida, ou que
nela, por um motivo, ou por outro, se cruzam, ou convivem connosco.
“Naqueles
dias, Saul, rei de Israel, pôs-se a caminho e desceu ao deserto de Zif com três
mil homens escolhidos de Israel, para irem em busca de David no deserto. David
e Abisaí penetraram de noite no meio das tropas: Saul estava deitado a dormir
no acampamento, com a lança cravada na terra à sua cabeceira; Abner e a sua
gente dormia à volta dele. Então Abisaí disse a David: «Deus entregou-te hoje
nas mãos o teu inimigo. Deixa que de um só golpe eu o crave na terra com a sua
lança e não terei de o atingir segunda vez». Mas David respondeu a Abisaí: «Não
o mates. Quem poderia estender a mão contra o ungido do Senhor e ficar
impune?». David levou da cabeceira de Saul a lança e o cantil e os dois
foram-se embora. Ninguém viu, ninguém soube, ninguém acordou. Todos dormiam,
por causa do sono profundo que o Senhor tinha feito cair sobre eles. David
passou ao lado oposto e ficou ao longe, no cimo do monte, de sorte que uma
grande distância os separava. Então David exclamou: «Aqui está a lança do rei.
Um dos servos venha buscá-la. O Senhor retribuirá a cada um segundo a sua
justiça e fidelidade. Ele entregou-te hoje nas minhas mãos e eu não quis
atentar contra o ungido do Senhor».”
Na 2ªleitura (1 Cor 15, 45-49) S.Paulo incita-nos a
escutar, a olhar para Jesus, a entregarmo-nos por Ele e n’Ele. Paulo
experimentou outros caminhos, mas só em Jesus se sente verdadeiramente amado
por Deus e, por isso, apresenta-nos o único modelo que vale a pena seguir:
Jesus Cristo, vivo e ressuscitado, o homem celeste.
“Irmãos: O primeiro homem, Adão, foi criado como um ser vivo; o último Adão tornou-se um espírito que dá vida. O primeiro não foi o espiritual, mas o natural; depois é que veio o espiritual. O primeiro homem, tirado da terra, é terreno; o segundo homem veio do Céu. O homem que veio da terra é o modelo dos homens terrenos; o homem que veio do Céu é o modelo dos homens celestes. E assim como trouxemos em nós a imagem do homem terreno, traremos também em nós a imagem do homem celeste.”
No evangelho (Lc 6, 27-38) Jesus aponta-nos o
caminho a seguir, que passa sempre por ir mais longe no amor: amar o inimigo,
fazer bem a quem nos faz mal, ajudar quem nos prejudica…Não julgueis, não
condeneis… Só em Jesus este caminho é possível!
“«Naquele
tempo, Jesus falou aos seus discípulos, dizendo: «Digo-vos a vós que Me
escutais: Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os
que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos injuriam. A quem te bater numa
face, apresenta-lhe também a outra; e a quem te levar a capa, deixa-lhe também
a túnica. Dá a todo aquele que te pedir e ao que levar o que é teu, não o
reclames. Como quereis que os outros vos façam, fazei-lho vós também. Se amais
aqueles que vos amam, que agradecimento mereceis? Também os pecadores amam
aqueles que os amam. Se fazeis bem aos que vos fazem bem, que agradecimento
mereceis? Também os pecadores fazem o mesmo. E se emprestais àqueles de quem
esperais receber, que agradecimento mereceis? Também os pecadores emprestam aos
pecadores, a fim de receberem outro tanto. Vós, porém, amai os vossos inimigos,
fazei o bem e emprestai, sem nada esperar em troca. Então será grande a vossa
recompensa e sereis filhos do Altíssimo, que é bom até para os ingratos e os
maus. Sede misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso. Não julgueis e
não sereis julgados. Não condeneis e não sereis condenados. Perdoai e sereis
perdoados. Dai e dar-se-vos-á: deitar-vos-ão no regaço uma boa medida, calcada,
sacudida, a transbordar. A medida que usardes com os outros será usada também
convosco».”
Senhor ensina-me a amar como só Tu amas, habita-me, ama em mim Senhor. Só em Ti é possível amar assim.
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
O Evangelho deste domingo (cf. Lc 6,
27-38) diz respeito a um ponto central e que carateriza a vida cristã: o amor
pelos inimigos. As palavras de Jesus são claras: «Digo-vos, porém, a vós que me
escutais: amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os
que vos amaldiçoam, rezai pelos que vos caluniam» (vv. 27-28). Não é um opcional,
é uma ordem. Não é para todos, mas para os discípulos, aos quais Jesus chama
“vós que escutais”. Ele sabe muito bem que amar os inimigos vai além das nossas
possibilidades, mas foi por esta razão que se fez homem: não para nos deixar
tal como somos, mas para nos transformar em homens e mulheres capazes de um
amor maior, aquele do seu e do nosso Pai. Este é o amor que Jesus doa a quem “o
escuta”. E então isso torna-se possível! Com Ele, graças ao seu amor, ao seu
Espírito, podemos amar também aqueles que não nos amam, até quantos nos
ofendem.
Deste modo, Jesus quer que em cada coração o amor
de Deus triunfe sobre o ódio e o rancor. A lógica do amor, que culmina na Cruz
de Cristo, é o distintivo do cristão e incentiva-nos a ir ao encontro de todos
com coração de irmãos. Mas como é possível superar o instinto humano e a lei
mundana da retaliação? A resposta é dada por Jesus na mesma página evangélica:
«Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso» (v. 36). Quem escuta
Jesus, quem se esforça para o seguir mesmo se é difícil, torna-se filho de Deus
e começa a assemelhar-se deveras ao Pai que está nos céus. Tornamo-nos capazes
de coisas que nunca teríamos imaginado poder dizer ou fazer, e das quais aliás
nos teríamos envergonhado, mas que agora, ao contrário, nos proporcionam
alegria e paz. Já não precisamos de ser violentos, com as palavras e com os
gestos; descobrimo-nos capazes de ternura e de bondade; e sentimos que tudo
isto não provém de nós mas d’Ele, e, portanto, não nos vangloriamos por isso,
mas só lhe estamos gratos.
Não há nada de maior e mais fecundo que o amor: ele
confere à pessoa toda a sua dignidade, enquanto o ódio e a vingança a
desvaloriza, deturpando a beleza da criatura feita à imagem de Deus.
Este mandamento, de responder ao insulto e à ofensa
com o amor, gerou no mundo uma nova cultura: a «cultura da misericórdia —
devemos aprender e praticar bem esta cultura da misericórdia — que dá vida a
uma verdadeira revolução» (Carta. ap. Misericordia et misera, 20). É a revolução
do amor, em que os protagonistas são os mártires de todos os tempos. E Jesus
garante-nos que o nosso comportamento, caraterizado pelo amor em relação a
quantos nos ofendem, não será vão. Ele diz: «perdoai e sereis perdoados. Dai e
ser-vos-á dado […], pois a medida que usardes com os outros será usada
convosco» (vv. 37-38). Isto é bom. Será algo bom que Deus nos concederá se
formos generosos e misericordiosos. Devemos perdoar porque Deus nos perdoou e
nos perdoa sempre. Se não perdoarmos totalmente, não poderemos pretender ser
perdoados totalmente. Ao contrário, se os nossos corações se abrirem à
misericórdia, se o perdão for selado com um abraço fraterno e se estreitarmos
os laços de comunhão, nós proclamaremos ao mundo que é possível vencer o mal
com o bem. Às vezes recordamos mais facilmente as injustiças que nos fizeram e
os males dos quais fomos vítimas e não as coisas boas; a ponto que há pessoas
que têm este hábito que se torna uma doença. São “colecionadores de
injustiças”: só se recordam das coisas desagradáveis que lhes fizeram. E não é
este o caminho. Devemos fazer o contrário, diz Jesus. Recordar as coisas boas e
quando alguém coscuvilhar e falar mal dos outros é preciso dizer: “sim,
talvez... mas tem isto de bom...”. Inverter a situação. Esta é a revolução da
misericórdia.
A Virgem Maria nos ajude a deixar-nos tocar o
coração por esta palavra santa de Jesus, ardente como o fogo, que nos
transforma e nos torna capazes de fazer o bem sem recompensa, fazer o
bem sem recompensa, testemunhando em toda parte a vitória do amor.
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