sábado, 25 de janeiro de 2025

Ano C -2025

VI DOMINGO DA PALAVRA DE DEUS - 

III DOMINGO DO TEMPO COMUM

Recordando... "Portanto estabeleço que o III Domingo do Tempo Comum seja dedicado à celebração, reflexão e divulgação da Palavra de Deus. Este Domingo da Palavra de Deus colocar-se-á, assim, num momento propício daquele período do ano em que somos convidados a reforçar os laços com os judeus e a rezar pela unidade dos cristãos. Não se trata de mera coincidência temporal: a celebração do Domingo da Palavra de Deus expressa uma valência ecuménica, porque a Sagrada Escritura indica, a quantos se colocam à sua escuta, o caminho a seguir para se chegar a uma unidade autêntica e sólida."

Papa Francisco in nº3, da Carta Apostólica  “Aperuit illis”

Hoje, as leituras  centram-nos na “Palavra”, viva e proclamada. No pós Concílio Vaticano II a Igreja redescobriu a importância da Palavra, quer na Eucaristia, quer na nossa vida. E, com a graça de Deus, hoje, nas eucaristias, o altar da “Palavra” tem um espaço e uma importância maior que, não ficando por aí, nos transpõe para a vivência quotidiana. Como é bom Senhor Jesus escutar-Te, saber que não estamos sós e que Tu caminhas connosco e nos guias. Que o nosso coração se abra sempre à Tua Palavra.

Na 1ªleitura (Ne 8, 2-4a.5-6.8-10) sentimos como o povo de Israel, ao recuperar a sua memória, enquanto povo escolhido por Deus, através da proclamação e explicação da Palavra, se sente comovido, agradecido e responsabilizado e, por isso, faz festa, celebra na alegria. A “Palavra” é um tempo de encontro entre o Povo e Deus. Que a eucaristia possa ser também hoje, para cada um de nós, o tempo do encontro com Deus, na alegria da escuta da Sua Palavra.

"Naqueles dias, o sacerdote Esdras trouxe o Livro da Lei perante a assembleia de homens e mulheres e todos os que eram capazes de compreender. Era o primeiro dia do sétimo mês. Desde a aurora até ao meio dia, fez a leitura do Livro, no largo situado diante da Porta das Águas, diante dos homens e mulheres e todos os que eram capazes de compreender. Todo o povo ouvia atentamente a leitura do Livro da Lei. O escriba Esdras estava de pé num estrado de madeira feito de propósito. Estando assim em plano superior a todo o povo, Esdras abriu o Livro à vista de todos; e quando o abriu, todos se levantaram. Então Esdras bendisse o Senhor, o grande Deus, e todo o povo respondeu, erguendo as mãos: «Amen! Amen!». E prostrando-se de rosto por terra, adoraram o Senhor. Os levitas liam, clara e distintamente, o Livro da Lei de Deus e explicavam o seu sentido, de maneira que se pudesse compreender a leitura. Então o governador Neemias, o sacerdote e escriba Esdras, bem como os levitas, que ensinavam o povo, disseram a todo o povo: «Hoje é um dia consagrado ao Senhor vosso Deus. Não vos entristeçais nem choreis». – Porque todo o povo chorava, ao escutar as palavras da Lei –. Depois Neemias acrescentou: «Ide para vossas casas, comei uma boa refeição, tomai bebidas doces e reparti com aqueles que não têm nada preparado. Hoje é um dia consagrado a nosso Senhor; portanto, não vos entristeçais, porque a alegria do Senhor é a vossa fortaleza»."

Na 2ª leitura (1 Cor 12, 12-30) S.Paulo, com uma linguagem, tão simples e clara, quanto bela, desafia-nos a vivermos na unidade, guiados pela Palavra de Deus. Tendo, cada um, os diferentes dons que o Senhor lhe dá, em favor de toda a comunidade, todos somos chamados a viver no Senhor, Jesus Cristo, como um só Corpo. 

"Irmãos: Assim como o corpo é um só e tem muitos membros, e todos os membros do corpo, apesar de numerosos, constituem um só corpo, assim sucede também em Cristo. Na verdade, todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito para constituirmos um só corpo e a todos nos foi dado a beber um só Espírito. De facto, o corpo não é constituído por um só membro, mas por muitos. Se o pé dissesse: «Uma vez que não sou mão, não pertenço ao corpo», nem por isso deixaria de fazer parte do corpo. E se a orelha dissesse: «Uma vez que não sou olho, não pertenço ao corpo», nem por isso deixaria de fazer parte do corpo. Se o corpo inteiro fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo ele fosse ouvido, onde estaria o olfato? Mas Deus dispôs no corpo cada um dos membros, segundo a sua vontade. Se todo ele fosse um só membro, que seria do corpo? Há, portanto, muitos membros, mas um só corpo. O olho não pode dizer à mão: «Não preciso de ti»; nem a cabeça dizer aos pés: «Não preciso de vós». Pelo contrário, os membros do corpo que parecem mais fracos são os mais necessários; os que nos parecem menos honrosos cuidamo-los com maior consideração; e os nossos membros menos decorosos são tratados com maior decência: os que são mais decorosos não precisam de tais cuidados. Deus organizou o corpo, dispensando maior consideração ao que dela precisa, para que não haja divisão no corpo e os membros tenham a mesma solicitude uns com os outros. Deste modo, se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele; se um membro é honrado, todos os membros se alegram com ele. Vós sois corpo de Cristo e seus membros, cada um por sua parte. Assim, Deus estabeleceu na Igreja em primeiro lugar apóstolos, em segundo profetas, em terceiro doutores. Vêm a seguir os dons dos milagres, das curas, da assistência, de governar, de falar diversas línguas. Serão todos apóstolos? Todos profetas? Todos doutores? Todos farão milagres? Todos terão o poder de curar? Todos falarão línguas? Terão todos o dom de as interpretar?"

No evangelho (Lc 1, 1-4; 4, 14-21) escutamos a Palavra viva, Jesus Cristo. É Jesus que nos centra n’Ele mesmo, como Aquele que Deus ungiu e enviou para nos libertar a todos. Deixemo-nos cativar, habitar, pelo Senhor Jesus, para que, também através de nós, aqueles, que connosco convivem, possam experimentar o quanto são amados por Deus.

"Já que muitos empreenderam narrar os factos que se realizaram entre nós, como no-los transmitiram os que, desde o início, foram testemunhas oculares e ministros da palavra, também eu resolvi, depois de ter investigado cuidadosamente tudo desde as origens, escrevê-las para ti, ilustre Teófilo, para que tenhas conhecimento seguro do que te foi ensinado. Naquele tempo, Jesus voltou da Galileia, com a força do Espírito, e a sua fama propagou-se por toda a região. Ensinava nas sinagogas e era elogiado por todos. Foi então a Nazaré, onde Se tinha criado. Segundo o seu costume, entrou na sinagoga a um sábado e levantou-Se para fazer a leitura. Entregaram-Lhe o livro do profeta Isaías e, ao abrir o livro, encontrou a passagem em que estava escrito: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Ele me enviou a proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos e a proclamar o ano da graça do Senhor». Depois enrolou o livro, entregou-o ao ajudante e sentou-Se. Estavam fixos em Jesus os olhos de toda a sinagoga. Começou então a dizer-lhes: «Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir»."

Senhor, que eu meu coração se abra sempre à Tua Palavra.

Estimados irmãos e irmãs, bom dia! 

Hoje olhemos para Jesus como mestre do anúncio. Deixemo-nos orientar pelo episódio em que Ele prega na sinagoga do seu povoado, Nazaré. Jesus lê um trecho do profeta Isaías (cf. 61, 1-2) e depois surpreende todos com um “sermão” muito breve, de uma única frase, uma só frase. Diz assim: «Hoje cumpriu-se este oráculo, que acabais de ouvir» (Lc 4, 21). Esta foi a pregação de Jesus: «Hoje cumpriu-se este oráculo, que acabais de ouvir». Isto significa que para Jesus essa passagem profética contém o essencial daquilo que Ele quer dizer de si. Por conseguinte, cada vez que falamos de Jesus, deveríamos seguir aquele seu primeiro anúncio. Então, vejamos em que consiste este primeiro anúncio. Podemos identificar cinco elementos essenciais.

O primeiro elemento é a alegria. Jesus proclama: «O Espírito do Senhor está sobre mim; [...] enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres» (v. 18), isto é, um anúncio de júbilo, de alegria. Boa nova: não se pode falar de Jesus sem alegria, porque a fé é uma maravilhosa história de amor a partilhar. Testemunhar Jesus, fazer algo pelos outros em seu nome, é dizer nas entrelinhas da vida que se recebeu um dom tão bonito que nenhuma palavra é suficiente para o expressar. Ao contrário, quando falta alegria, o Evangelho não passa, pois ele – como a própria palavra o diz - é bom anúncio, e Evangelho quer dizer bom anúncio, anúncio de alegria. O cristão triste pode falar de coisas maravilhosas, mas será tudo em vão se o anúncio que transmite não for jubiloso. Dizia um pensador: “um cristão triste é um triste cristão”: não esqueçais isto.

Passemos para o segundo aspeto: a libertação. Jesus diz que foi enviado «para anunciar a libertação aos cativos» (v. 19). Isto significa que quem anuncia Deus não pode fazer proselitismo, não, não pode pressionar os outros, mas deve aliviá-los: não impor fardos, mas livrar deles; levar paz, não sentimentos de culpa. Sem dúvida, seguir Jesus exige ascese, exige sacrifícios; de resto, se cada coisa boa o requer, muito mais o exige a realidade decisiva da vida! Mas quem dá testemunho de Cristo mostra a beleza da meta, mais do que o cansaço do caminho. Ter-nos-á ocorrido contar a alguém sobre uma bela viagem que fizemos. Por exemplo, teríamos falado da beleza dos lugares, do que vimos e vivemos, não do tempo para lá chegar, nem das filas no aeroporto, não! Assim, qualquer anúncio digno do Redentor deve comunicar libertação. Como aquele de Jesus. Hoje há alegria pois vim libertar.

Terceiro aspeto: a luz. Jesus diz que veio para restituir «aos cegos o recobrar da vista» (ibid.). É impressionante que em toda a Bíblia, antes de Cristo, nunca aparece a cura de um cego, nunca. Com efeito, era um sinal prometido que viria com o Messias. Contudo, aqui não se trata apenas da vista física, mas de uma luz que faz ver a vida de modo novo. Há um “vir à luz”, um renascimento que só se verifica com Jesus. Pensando bem, foi assim que a vida cristã teve início para nós: com o Batismo, que antigamente se chamava precisamente “iluminação”. E que luz nos dá Jesus? Traz-nos a luz da filiação: Ele é o Filho amado do Pai, vivo para sempre; e com Ele, também nós somos filhos de Deus, amados para sempre, não obstante os nossos erros e defeitos. Então, a vida já não é um avançar cego rumo ao nada, não:  não é questão de destino ou sorte, não é algo que depende do acaso ou das estrelas, nem sequer da saúde ou das finanças, não. A vida depende do amor, do amor do Pai, que cuida de nós, seus filhos amados. Como é maravilhoso partilhar esta luz com os outros! Já pensastes que a vida de cada um de nós – a minha vida, a tua vida, a nossa vida – é um gesto de amor? É um convite ao amor? Isto é maravilhoso! Mas muitas vezes esquecemos isto, face às dificuldades, diante das más notícias, também diante – e isto é terrível – da mundanidade, do modo de viver mundano.

Quarto aspeto do anúncio: a cura. Jesus diz que veio «para libertar os oprimidos» (ibid.). Oprimido é aquele que, na vida, se sente esmagado por algo que acontece: doenças, canseiras, pesos no coração, sentimentos de culpa, erros, vícios, pecados... Oprimidos por isto: pensemos por exemplo nos sentimentos de culpa. Quantos de nós sofreram com isto? Pensemos um pouco num sentimento de culpa deste, daquele… O que nos oprime é, acima de tudo, precisamente aquele mal que nenhum medicamento ou remédio humano pode curar: o pecado. E se alguém tem sentimento de culpa por algo que fez, e se sente mal... mas a boa notícia é que com Jesus este mal antigo, o pecado, que parece invencível, já não tem a última palavra. Posso pecar, pois sou débil. Cada um de nós o pode fazer, mas esta não é a última palavra. A última palavra é a mão estendida de Jesus que te ergue do pecado. E padre, quando o faz? Uma vez? Não. Duas? Não. Três? Não. Sempre. Cada vez que estás mal, o Senhor tem sempre a mão estendida. É preciso apenas pegar nela e deixar-se levar. A boa notícia é que com Jesus este mal antigo não tem a última palavra: a última palavra é a mão estendida de Jesus que te leva em frente.  Do pecado, Jesus cura-nos sempre. E quanto devo pagar pela cura? Nada. Cura-nos sempre e gratuitamente.  Ele convida quantos estão «cansados e oprimidos» - disse-o no Evangelho – convida a ir até Ele (cf. Mt 11, 28). E então, acompanhar alguém ao encontro de Jesus significa levá-lo ao médico do coração, que alivia a vida. Significa dizer: “Irmão, irmã, não tenho respostas para muitos dos teus problemas, mas Jesus conhece-te, Jesus ama-te, pode curar-te e tranquilizar o coração”. Quem carrega fardos precisa de uma carícia no passado. Muitas vezes ouvimos: “Mas eu precisaria de curar o meu passado… preciso de uma carícia naquele passado que me pesa muito…”. Tem necessidade de perdão. E quem acredita em Jesus tem precisamente isto para oferecer ao próximo: a força do perdão que liberta a alma de qualquer dívida. Irmãos, irmãs, não esqueçais: Deus esquece tudo. Porquê? Sim, esquece todos os nossos pecados, deles não há memória. Deus perdoa tudo pois esquece os nossos pecados. Só precisamos de nos aproximar do Senhor e Ele perdoa-nos tudo. Pensai em algo do Evangelho, naquele que começou a falar: “Senhor, pequei!”. Aquele filho… E o pai fecha-lhe a boca com a mão. “Não, está bem, nada…” Não o deixa acabar… Isto é bonito. Jesus espera-nos para nos perdoar, para nos sarar. E quanto? Uma vez? Duas vezes? Não. Sempre. “Mas, padre, faço as mesmas coisas sempre...”. E também ele fará as suas mesmas coisas sempre: perdoa-te, abraça-te. Por favor, não duvidemos disto. É assim que se ama o Senhor. Quem carrega pesos e precisa de uma carícia no passado, precisa de perdão, saiba que Jesus o faz. E é isto que Jesus oferece: libertar a alma de cada dívida. Na Bíblia fala-se de um ano em que libertava do peso das dívidas: o Jubileu, o ano da graça. Como se fosse o último ponto do anúncio!

Com efeito, Jesus diz que veio «para proclamar o ano da graça do Senhor» (Lc 4, 19). Não era um jubileu programado, como aqueles que estamos a fazer agora, que tudo é programado e pensamos em como fazer, como não fazer… Não. Mas com Cristo a graça que renova a vida chega e surpreende sempre. Cristo é o Jubileu de cada dia, de cada hora, que se aproxima de ti, para te acariciar, para te perdoar.  E o anúncio de Jesus deve trazer sempre o enlevo da graça. Este enlevo… “Não acredito, fui perdoado, fui perdoada”. Mas é tão grande o nosso Deus! Pois não somos nós que fazemos grandes coisas, mas é a graça do Senhor que, inclusive através de nós, realiza coisas imprevisíveis. E estas são as surpresas de Deus! Deus é um mestre das surpresas. Surpreende-nos sempre, espera-nos sempre. Nós chegamos, e Ele está à espera. Sempre. O Evangelho é acompanhado por um sentimento de maravilha e de novidade que tem um nome: Jesus!

Que Ele nos ajude a anunciá-lo como deseja, comunicando alegria, libertação, luz, cura e enlevo. É assim que se comunica Jesus.

Um último aspeto: este feliz anúncio, que recita o Evangelho, é dirigido «aos pobres» (v. 18). Muitas vezes esquecemo-nos deles, no entanto são os destinatários explicitamente mencionados porque são os prediletos de Deus. Lembremo-nos deles, e recordemos que, para receber o Senhor, cada um de nós deve fazer-se “pobre dentro”. Com aquela pobreza que faz dizer… “Senhor, preciso de perdão, preciso de ajuda, preciso de força”. A pobreza que todos temos: tornar-se pobre dentro. Trata-se de superar qualquer pretensão de autossuficiência para compreender que é necessitado de graça, e sempre necessitado d’Ele. Se alguém me disser: Padre, mas qual é a via mais breve para encontrar Jesus? Torna-te necessitado. Torna-te necessitado de graça, necessitado de perdão, necessitado e alegria. E Ele aproximar-se-á de ti.

Papa Francisco
(Audiência Geral, 25 de janeiro de 2023)

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