sábado, 29 de junho de 2024

 XIII DOMINGO DO TEMPO COMUM 

As leituras de hoje ecoam nos nossos corações de uma forma mais profunda do que habitualmente, pois, tal como as pessoas do tempo de Jesus, estamos extremamente necessitados de O contemplar na Sua relação connosco, na Sua dimensão de nos salvar, curar, ressuscitar, dar vida. Somos mesmo desafiados a depositar uma confiança, uma fé total n’Ele, no Seu Amor infinito por nós. Ele, que tudo pode, está connosco, sabe o que nos faz falta e escuta a nossa oração.  

Na 1ªleitura (Sab 1, 13-15; 2, 23-24) o autor sagrado projeta-nos para Deus misericordioso, Amor infinito pelos seres por Ele criados à Sua imagem, que somos cada um de nós. Se n’Ele permanecermos, nos movermos e existirmos o Amor vencerá em nós, seja qual for a situação em que nos encontremos.

Não foi Deus quem fez a morte, nem Ele Se alegra com a perdição dos vivos. Pela criação deu o ser a todas as coisas, e o que nasce no mundo destina-se ao bem. Em nada existe o veneno que mata, nem o poder da morte reina sobre a terra, porque a justiça é imortal. Deus criou o homem para ser incorruptível e fê-lo à imagem da sua própria natureza. Foi pela inveja do Diabo que a morte entrou no mundo, e experimentam-na aqueles que lhe pertencem.”

Na 2ªleitura (2 Cor 8, 7.9.13-15) S.Paulo, tendo como referência a comunidade de Corinto, apela à nossa consciência de sermos Igreja, de sermos comunidade, de sermos parte uns dos outros, atentos às necessidades de cada um, sejam estas materiais, ou de outra natureza.

"Irmãos: Já que sobressaís em tudo – na fé, na eloquência, na ciência, em toda a espécie de atenções e na caridade que vos ensinámos – deveis também sobressair nesta obra de generosidade. Conheceis a generosidade de Nosso Senhor Jesus Cristo: Ele, que era rico, fez-Se pobre por vossa causa, para vos enriquecer pela sua pobreza. Não se trata de vos sobrecarregar para aliviar os outros, mas sim de procurar a igualdade. Nas circunstâncias presentes, aliviai com a vossa abundância a sua indigência para que um dia eles aliviem a vossa indigência com a sua abundância. E assim haverá igualdade, como está escrito: «A quem tinha colhido muito não sobrou e a quem tinha colhido pouco não faltou»."

No evangelho (Mc 5, 21-43) S.Marcos, mostra-nos claramente como Jesus se relacionava com as pessoas do Seu tempo. Jesus está tão atento ao mais simples pormenor, como o toque ligeiro (profundo de fé) na orla do Seu manto, no meio de uma multidão anónima, como ao pedido angustiado, insistente e explícito de um pai. Não deixa ninguém de fora, atende toda a súplica que Lhe é feita de coração sincero, numa fé profunda de que efetivamente Ele é o Filho Único de Deus. Tenhamos a coragem de fazer como a mulher, ou o pai referidos neste evangelho.

“Naquele tempo, depois de Jesus ter atravessado de barco para a outra margem do lago, reuniu-se uma grande multidão à sua volta, e Ele deteve-se à beira-mar. Chegou então um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo. Ao ver Jesus, caiu a seus pés e suplicou-Lhe com insistência: «A minha filha está a morrer. Vem impor-lhe as mãos, para que se salve e viva». Jesus foi com ele, seguido por grande multidão, que O apertava de todos os lados. Ora, certa mulher que tinha um fluxo de sangue havia doze anos, que sofrera muito nas mãos de vários médicos e gastara todos os seus bens, sem ter obtido qualquer resultado, antes piorava cada vez mais, tendo ouvido falar de Jesus, veio por entre a multidão e tocou-Lhe por detrás no manto, dizendo consigo: «Se eu, ao menos, tocar nas suas vestes, ficarei curada». No mesmo instante estancou o fluxo de sangue e sentiu no seu corpo que estava curada da doença. Jesus notou logo que saíra uma força de Si mesmo. Voltou-Se para a multidão e perguntou: «Quem tocou nas minhas vestes?». Os discípulos responderam-Lhe: «Vês a multidão que Te aperta e perguntas: ‘Quem Me tocou?’». Mas Jesus olhou em volta, para ver quem O tinha tocado. A mulher, assustada e a tremer, por saber o que lhe tinha acontecido, veio prostrar-se diante de Jesus e disse-Lhe a verdade. Jesus respondeu-lhe: «Minha filha, a tua fé te salvou. Vai em paz e fica curada do teu mal». Ainda Ele falava, quando vieram dizer da casa do chefe da sinagoga: «A tua filha morreu. Porque estás ainda a importunar o Mestre?». Mas Jesus, ouvindo estas palavras, disse ao chefe da sinagoga: «Não temas; basta que tenhas fé». E não deixou que ninguém O acompanhasse, a não ser Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago. Quando chegaram a casa do chefe da sinagoga, Jesus encontrou grande alvoroço, com gente que chorava e gritava. Ao entrar, perguntou-lhes: «Porquê todo este alarido e tantas lamentações? A menina não morreu; está a dormir». Riram-se d’Ele. Jesus, depois de os ter mandado sair a todos, levando consigo apenas o pai da menina e os que vinham com Ele, entrou no local onde jazia a menina, pegou-lhe na mão e disse: «Talita Kum», que significa: «Menina, Eu te ordeno: Levanta-te». Ela ergueu-se imediatamente e começou a andar, pois já tinha doze anos. Ficaram todos muito maravilhados. Jesus recomendou-lhes insistentemente que ninguém soubesse do caso e mandou dar de comer à menina.”

Senhor, eu creio que és Jesus, O Filho de Deus, que vives, caminhas e habitas connosco e estás atento a tudo o que se passa neste mundo. Precisamos da Tua ajuda, sem Ti não conseguimos que terminem as situações de guerra na Ucrânia, na faixa de Gaza... e noutros países . Converte-nos Senhor e dá-nos a Paz.

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!

No Evangelho de hoje (cf. Mc 5, 21-43) Jesus depara-se com as nossas duas situações mais dramáticas, a morte e a doença. Delas liberta duas pessoas: uma menina, que morre precisamente quando o pai foi pedir ajuda a Jesus; e uma mulher, que tinha fluxo de sangue há muitos anos. Jesus deixa-se tocar pela nossa dor e pela nossa morte, e faz dois sinais de cura para nos dizer que nem a dor nem a morte têm a última palavra. Diz-nos que a morte não é o fim. Ele derrota este inimigo, do qual não nos podemos libertar sozinhos.

Contudo, neste momento em que a doença ainda está no centro das notícias, concentremo-nos no outro sinal, a cura da mulher. Mais do que a sua saúde, eram os seus afetos que estavam comprometidos. Porquê? Tinha fluxo de sangue e por isso, segundo a mentalidade daquela época, era considerada impura. Era uma mulher marginalizada, não podia ter relações estáveis, não podia ter um marido, não podia ter uma família e não podia ter relacionamentos sociais normais, pois era “impura”, sofria de uma doença que a tornava “impura”. Vivia sozinha, com o coração ferido. Qual é a maior doença da vida? O tumor? A tuberculose? A pandemia? Não! A maior doença da vida é a falta de amor, é não conseguir amar. Aquela pobre mulher estava doente, sim, tinha fluxo de sangue, mas, por conseguinte, sofria de carência de amor, pois não podia estar socialmente com os outros. E a cura mais importante é a dos afetos. Mas como encontrá-la? Podemos pensar nos nossos afetos: estão doentes ou são saudáveis? Estão doentes? Jesus é capaz de os curar!

A história desta mulher sem nome - chamemos-lhe assim, “a mulher sem nome” - na qual todos nos podemos ver, é exemplar. O texto diz que ela tinha feito muitos tratamentos, «gastando tudo o que possuía, sem achar alívio algum; pelo contrário, piorava cada vez mais» (v. 26). Também nós, quantas vezes procuramos remédios errados para saciar a nossa carência de amor? Pensamos que é o sucesso e o dinheiro que nos fazem felizes, mas o amor não se compra, é gratuito. Refugiamo-nos no virtual, mas o amor é concreto. Não nos aceitamos como somos e escondemo-nos por detrás dos truques da exterioridade, mas o amor não é aparência. Procuramos soluções de magos, curandeiros, para depois nos encontrarmos sem dinheiro e sem paz, como aquela mulher. No final ela escolhe Jesus e mistura-se com a multidão para tocar o manto, o manto de Jesus. Ou seja, aquela mulher procura o contacto direto, o contacto físico com Jesus. Especialmente nesta época, compreendemos como são importantes o contacto, as relações. O mesmo é válido para Jesus: às vezes contentamo-nos com a observação de alguns preceitos e com a repetição de orações - muitas vezes como os papagaios - mas o Senhor espera que o encontremos, que lhe abramos o coração, que toquemos o seu manto, como a mulher, para sermos curados. Pois, entrando em intimidade com Jesus, somos curados nos nossos afetos.

É isto que Jesus quer. Com efeito, lemos que, apesar de ser comprimido pela multidão, olhou ao seu redor para procurar quem o tinha tocado. Os discípulos disseram: “Mas olha para a multidão que te comprime...”. Não: “Quem me tocou?”. É o olhar de Jesus: há muitas pessoas, mas Ele vai em busca de um rosto e de um coração cheio de fé. Jesus não olha para o conjunto, como nós, mas olha para a pessoa. Não se detém diante das feridas e dos erros do passado, mas vai além dos pecados e dos preconceitos. Todos nós temos uma história, e cada um de nós, secretamente, conhece bem as coisas más da própria história. Mas Jesus olha para elas a fim de as curar. Ao contrário, gostamos de olhar para as coisas más dos outros. Quantas vezes, quando falamos, caímos em tagarelices, o que significa falar mal dos outros, “esfolar” os outros. Mas olha: que horizonte de vida é este? Não como Jesus, que olha sempre para o modo de nos salvar, olha para o hoje, para a boa vontade e não para a nossa má história. Jesus vai além dos pecados. Jesus vai além dos preconceitos, não se detém nas aparências, Jesus chega ao coração. E cura precisamente ela, que era rejeitada por todos, uma impura. Chama-lhe com ternura «filha» (v. 34) - o estilo de Jesus era a proximidade, a compaixão e a ternura: “Filha...” - e elogia a sua fé, restituindo-lhe a sua autoconfiança.

Irmã, irmão, estás aqui, deixa que Jesus olhe para ti e cure o teu coração. Também eu o devo fazer: deixar que Jesus olhe para o meu coração e que o cure. E se já experimentaste o seu olhar de ternura sobre ti, imita-o, e faz como Ele. Olha à tua volta: verás que muitas pessoas que vivem perto de ti se sentem feridas e sozinhas, precisam de se sentir amadas: dá o passo. Jesus pede-te que não olhes só para a exterioridade, mas que vás ao coração; um olhar que não julgue - deixemos de julgar os outros - Jesus pede-nos um olhar que não julgue, mas que acolha. Abramos o nosso coração para acolher os outros. Pois só o amor cura a vida, só o amor cura a vida! Que Nossa Senhora, Consoladora dos aflitos, nos ajude a levar uma carícia aos feridos no coração que encontramos no nosso caminho. E não julguemos, não julguemos a realidade pessoal, social, dos outros. Deus ama a todos! Não julgueis, deixai que os outros vivam e procurai aproximar-vos deles com amor.

Papa Francisco

(Angelus , 27 de junho de 2021)

(...)

Deste ponto de vista, a cura da filha de Jairo merece especial atenção (cf. Mc 5, 21-33). Há um pai que está com pressa: a sua filha está doente e por esta razão pede a ajuda de Jesus. O Mestre aceita imediatamente, mas quando estão a caminho da casa acontece outra cura, e depois chega a notícia de que a menina morreu. Parece ser o fim, mas em vez disso Jesus diz ao pai: «Não tenhas receio; crê somente!» (Mc 5, 36). “Continua a ter fé”: pois é a fé que sustenta a oração. E, de facto, Jesus despertará aquela menina do sono da morte. Mas durante algum tempo, Jairo teve que caminhar no escuro, apenas com a chama da fé. Senhor, dai-me fé! Que a minha fé cresça! Pedir esta graça, ter fé. No Evangelho Jesus diz que a fé move montanhas. Mas, ter fé seriamente. Jesus, diante da fé dos seus pobres, dos seus homens, cai vencido, sente uma ternura especial, diante daquela fé. E ouve.

Papa Francisco

(Audiência Geral , 26 de maio de 2021)

sexta-feira, 28 de junho de 2024

Solenidade de S.Pedro e S.Paulo  

É verdade que a Igreja hoje celebra, ao mesmo tempo, S.Pedro e S.Paulo, duas pedras fundamentais do caminhar com e em Cristo, mas nesta nobre vila de Porto de Mós celebramos mais festivamente  S. Pedro, pois é o nosso padroeiro.

Na 1ªleitura  (Atos 12,1-11) S.Pedro encontra-se preso, à espera de ser julgado e condenado, mas Deus tinha outros planos para este santo. A comunidade está em comunhão com S.Pedro, rezando insistentemente a Deus por ele. Esta é uma das partes que mais me impressiona no texto. Primeiro a união entre todos os que formam a comunidade, depois a confiança em Deus e por fim o poder da oração. Que bom que era se reaprendêssemos a viver assim: unidos, confiantes em Deus e sempre orantes.

"Naqueles dias, o rei Herodes começou a perseguir alguns membros da Igreja. Mandou matar à espada Tiago, irmão de João, e, vendo que tal procedimento agradava aos judeus, mandou prender também Pedro. Era nos dias dos Ázimos. Mandou-o prender e meter na cadeia, entregando-o à guarda de quatro piquetes de quatro soldados cada um, com a intenção de o fazer comparecer perante o povo, depois das festas da Páscoa. Enquanto Pedro era guardado na prisão, a Igreja orava instantemente a Deus por ele. Na noite anterior ao dia em que Herodes pensava fazê-lo comparecer, Pedro dormia entre dois soldados, preso a duas correntes, enquanto as sentinelas, à porta, guardavam a prisão. De repente, apareceu o Anjo do Senhor e uma luz iluminou a cela da cadeia. O Anjo acordou Pedro, tocando-lhe no ombro, e disse-lhe: «Levanta-te depressa». E as correntes caíram-lhe das mãos. Então o Anjo disse-lhe: «Põe o cinto e calça as sandálias». Ele assim fez. Depois acrescentou: «Envolve-te no teu manto e segue-me». Pedro saiu e foi-o seguindo, sem perceber a realidade do que estava a acontecer por meio do Anjo; julgava que era uma visão. Depois de atravessarem o primeiro e o segundo posto da guarda, chegaram à porta de ferro, que dá para a cidade, e a porta abriu-se por si mesma diante deles. Saíram, avançando por uma rua, e subitamente o Anjo desapareceu. Então Pedro, voltando a si, exclamou: «Agora sei realmente que o Senhor enviou o seu Anjo e me libertou das mãos de Herodes e de toda a expectativa do povo judeu»."

Na 2ªleitura (2Tim 4,6-8.17-18) S.Paulo desconcerta-nos, faz-nos sentir pequenos demais. Que fé meu Deus! Que amor total ao Senhor! Que entrega sem fim. Sim, S.Paulo encontrou-se verdadeiramente com o Senhor e deixou-se amar totalmente por Deus. Com a mesma paixão, empenho e persistência com que primeiro O perseguia, passou a anunciar o Reino de Deus, a proclamar Jesus Cristo, o Messias, o Filho de Deus morto e ressuscitado, a testemunhar o amor infinito de Deus por todo e cada ser vivente. Que este grande santo desperte, em cada um de nós, uma paixão, uma entrega, um amor total a Deus, cada um ao seu jeito, claro.

"Caríssimo: Eu já estou oferecido em libação e o tempo da minha partida está iminente. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. E agora já me está preparada a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me há de dar naquele dia: e não só a mim, mas a todos aqueles que tiverem esperado com amor a Sua vinda. O Senhor esteve a meu lado e deu-me força, para que, por Seu intermédio, a mensagem do Evangelho fosse plenamente proclamada e todos os pagãos a ouvissem: e eu fui libertado da boca do leão. O Senhor me livrará de todo o mal e me dará a salvação no Seu reino celeste. Glória a Ele pelos séculos dos séculos. Ámen." 

No evangelho (Mt. 16,13-1) sentimos S.Pedro como um santo próximo de nós. Capaz do melhor, mas também do pior. S.Pedro mostra-nos como o sermos humanos e pecadores não nos impede de chegar à santidade. Ajuda-nos a perceber como é o Amor de Deus, ou seja, diz-nos que  o Senhor está sempre com aqueles que se deixam cativar por Jesus e são capazes de reconhecer o quanto são amados por Ele, seja qual for a situação em que se encontrem. Basta abrir o coração e deixá-Lo entrar.

"Naquele tempo, Jesus foi para os lados de Cesareia de Filipe e perguntou aos seus discípulos: «Quem dizem os homens que é o Filho do homem?». Eles responderam: «Uns dizem que é João Baptista, outros que é Elias, outros que é Jeremias ou algum dos profetas». Jesus perguntou: «E vós, quem dizeis que Eu sou?». Então, Simão Pedro tomou a palavra e disse: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo».
Jesus respondeu-lhe: «Feliz de ti, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne e o sangue que to revelaram, mas sim meu Pai que está nos Céus. Também Eu te digo: Tu és Pedro; sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos Céus»."

Senhor, que eu nunca duvide do Teu Amor.

Protege Senhor o Santo Padre, o papa Francisco. Ilumina-o na sua missão. Que Tu sejas a única força em quem sempre se apoie. 

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

Hoje, Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, no Evangelho Jesus diz a Simão, um dos Doze: «Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja» (Mt 16, 18). Pedro é um nome que tem vários significados: pode designar rocha, pedra ou simplesmente seixo. E, com efeito, se olharmos para a vida de Pedro, encontraremos um pouco destes três aspetos do seu nome.

Pedro é uma rocha: em muitos momentos é forte e firme, genuíno e generoso. Deixa tudo para seguir Jesus (cf. Lc 5, 11), reconhece-o como Cristo, Filho de Deus vivo (cf. Mt 16, 16), mergulha no mar para ir depressa ao encontro do Ressuscitado (cf. Jo 21, 7). Além disso, com franqueza e coragem, anuncia Jesus no Templo, antes e depois de ser preso e flagelado (cf. At 3, 12-26; 5, 25-42). A tradição fala-nos também da sua firmeza diante do martírio, que teve lugar precisamente aqui (cf. Clemente Romano, Carta aos Coríntios, V, 4).

No entanto, Pedro é também uma pedra: é uma rocha e inclusive uma pedra, adequada para oferecer apoio aos outros: uma pedra que, fundamentada em Cristo, serve de sustentáculo para os seus irmãos na edificação da Igreja (cf. 1 Pd 2, 4-8; Ef 2, 19-22). Também isto encontramos na sua vida: responde ao chamamento de Jesus com André, seu irmão, Tiago e João (cf. Mt 4, 18-22); confirma a disponibilidade dos Apóstolos a seguir o Senhor (cf. Jo 6, 68); cuida de quem sofre (cf. At 3, 6); promove e encoraja o anúncio comum do Evangelho (cf. At 15, 7-11). É “pedra”, é ponto de referência fiável para toda a comunidade.

Pedro é rocha, é pedra e também seixo: a sua pequenez sobressai com frequência. Às vezes não compreende o que Jesus faz (cf. Mc 8, 32-33; Jo 13, 6-9); perante a sua captura, deixa-se dominar pelo medo e nega-o, depois arrepende-se e chora amargamente (cf. Lc 22, 54-62), mas não tem a coragem de estar aos pés da cruz. Esconde-se com os outros no cenáculo, com medo de ser aprisionado (cf. Jo 20, 19). Em Antioquia, tem vergonha de estar com os pagãos convertidos, e Paulo exorta-o à coerência neste ponto (cf. Gl 2, 11-14); por último, segundo a tradição do Quo vadis, procura fugir diante do martírio, mas ao longo do caminho encontra Jesus e readquire a coragem de voltar atrás.

Em Pedro há tudo isto: a força da rocha, a fiabilidade da pedra e a pequenez de um simples seixo. Não é um super-homem: é um homem como nós, como cada um de nós, que na sua imperfeição diz “sim” a Jesus com generosidade. Mas precisamente assim, nele – como em Paulo e em todos os santos – revela-se que é Deus quem nos torna fortes mediante a sua graça, quem nos une através da sua caridade, quem nos perdoa com a sua misericórdia. E é com esta verdadeira humanidade que o Espírito forma a Igreja. Pedro e Paulo eram pessoas autênticas, e nós, hoje mais do que nunca, precisamos de pessoas autênticas.

Agora, olhemos para o nosso íntimo e façamos algumas perguntas a partir da rocha, da pedra e do seixo. A partir da rocha: há em nós ardor, zelo, paixão pelo Senhor e pelo Evangelho, ou é algo que se desintegra com facilidade? E depois, somos pedras, não de tropeço, mas de construção para a Igreja? Trabalhamos pela unidade, interessamo-nos pelos outros, especialmente pelos mais frágeis? Por último, pensando no seixo: estamos conscientes da nossa pequenez? E sobretudo: nas debilidades, confiamo-nos ao Senhor, que realiza grandes coisas com quem é humilde e sincero?

Que Maria, Rainha dos Apóstolos, nos ajude a imitar a força, a generosidade e a humildade dos Santos Pedro e Paulo.

Papa Francisco

(Angelus , 29 de junho de 2023)

domingo, 23 de junho de 2024

SOLENIDADE DO NASCIMENTO DE SÃO JOÃO BATISTA 

A liturgia do dia de hoje, celebra, festivamente, o nascimento de S.João Batista, o que é uma exceção, pois a igreja, regra geral, só comemora o dia da morte dos santos , ou seja o dia em que passaram a ver Deus face a face e entraram na glória celestial. O nascimento de S.João é mesmo um caso especial, que também merece ser celebrado, pois as circunstâncias que rodearam o seu nascimento foram o culminar de uma verdadeira história de amor que se desenrolou entre Deus e os pais de S.João, que vale a pena ser conhecida. Zacarias e Isabel são para nós, hoje, no nascimento de seu filho, o testemunho de como Deus conduz a história de todos os que se Lhe confiam de corpo e alma. Deus está sempre presente na nossa vida, nós é que, muitas vezes, não ousamos entregarmo-nos totalmente a Ele. Deus ama-nos infinitamente e quer sempre o que é melhor para nós, mesmo quando nos parece que está tudo ao contrário. Deixemos que nos Deus nos ame, confiemos n’Ele, como o fizeram Isabel e Zacarias!


Na 1ª leitura (Is 49, 1-6) Isaías projeta-nos para Jesus: «Tu és o meu servo, Israel,  por quem manifestarei a minha glória». E é em Jesus que olhamos para S.João, que preparou os caminhos para a Sua vinda, para que a luz de Cristo e a salvação de Deus chegassem até aos confins da terra. É por tudo isto que lhe damos o nome de “O percursor”. 

“Terras de Além-Mar, escutai-me; povos de longe, prestai atenção. O Senhor chamou-me desde o ventre materno, disse o meu nome desde o seio de minha mãe. Fez da minha boca uma espada afiada, abrigou-me à sombra da sua mão. Tornou-me semelhante a uma seta aguda, guardou-me na sua aljava. E disse-me: «Tu és o meu servo, Israel, por quem manifestarei a minha glória». E eu dizia: «Cansei-me inutilmente, em vão e por nada gastei as minhas forças». Mas o meu direito está no Senhor e a minha recompensa está no meu Deus. E agora o Senhor falou-me, Ele que me formou desde o seio materno, para fazer de mim o seu servo, a fim de Lhe restaurar as tribos de Jacob e reconduzir os sobreviventes de Israel. Eu tenho merecimento aos olhos do Senhor e Deus é a minha força. Ele disse-me então: «Não basta que sejas meu servo, para restaurares as tribos de Jacob e reconduzires os sobreviventes de Israel. Farei de ti a luz das nações, para que a minha salvação chegue até aos confins da terra».


Na 2ªleitura (Atos 13, 22-26) S.Paulo desafia-nos a fazer a vontade de Deus, para sermos felizes. E ao deixar-nos esta mensagem apresenta-nos, como exemplo, dois homens com vidas tão diferentes, mas ambos, segundo o coração de Deus: David e João Batista. Seja qual for a nossa história de vida, uma coisa é certa para mim, só o amor incomparável que Deus nos tem, se o aceitarmos e a Ele correspondermos, nos pode transformar em seres felizes, porque assim não quereremos outra coisa, que não seja, fazer a vontade de Deus.

“Naqueles dias, Paulo falou deste modo: «Deus concedeu aos filhos de Israel David como rei, de quem deu este testemunho: ‘Encontrei David, filho de Jessé, homem segundo o meu coração, que fará sempre a minha vontade’. Da sua descendência, como prometera, Deus fez nascer Jesus, o Salvador de Israel. João tinha proclamado, antes da sua vinda, um batismo de penitência a todo o povo de Israel.  Prestes a terminar a sua carreira, João dizia: ‘Eu não sou quem julgais; mas depois de mim, vai chegar Alguém, a quem eu não sou digno de desatar as sandálias dos seus pés’. Irmãos, descendentes de Abraão e todos vós que temeis a Deus: a nós é que foi dirigida esta palavra de salvação»."


 

No evangelho (Lc 1, 57-66.80) S.Lucas introduz-nos na alegria pelo nascimento de João, manifestação concreta do amor de Deus na vida do casal, da família. A forma como nos vai colocando dentro dos acontecimentos, relacionados com o nascimento deste menino, vai-nos conduzindo para o momento da escolha do nome da criança: João. E é nesta altura que Zacarias recupera a fala e, depois de tanto tempo em silêncio, começa a dar glória a Deus, porque verdadeiramente reconhece Deus Amor presente na sua vida, na sua história, na história da sua família. Um homem de Deus, que verdadeiramente se sente amado pelo Senhor, não pode senão bendizer e louvar a Deus, como fez Zacarias. 

"Naquele tempo, chegou a altura de Isabel ser mãe e deu à luz um filho. Os seus vizinhos e parentes souberam que o Senhor lhe tinha feito tão grande benefício e congratularam-se com ela. Oito dias depois, vieram circuncidar o menino e queriam dar-lhe o nome do pai, Zacarias. Mas a mãe interveio e disse: «Não, Ele vai chamar-se João». Disseram-lhe: «Não há ninguém da tua família que tenha esse nome». Perguntaram então ao pai, por meio de sinais, como queria que o menino se chamasse. O pai pediu uma tábua e escreveu: «O seu nome é João». Todos ficaram admirados. Imediatamente se lhe abriu a boca e se lhe soltou a língua e começou a falar, bendizendo a Deus. Todos os vizinhos se encheram de temor e por toda a região montanhosa da Judeia se divulgaram estes factos. Quantos os ouviam contar guardavam-nos em seu coração e diziam: «Quem virá a ser este menino?». Na verdade, a mão do Senhor estava com ele. O menino ia crescendo e o seu espírito fortalecia-se.  E foi habitar no deserto até ao dia em que se manifestou a Israel."

Senhor, eu Te louvo e bendigo pelo imenso, infinito, incomparável amor que tens por cada um de nós e por toda a humanidade. Bendito e louvado sejas hoje e sempre, pelos séculos sem fim.

Preparar, discernir e diminuir. Nestes três verbos está contida a experiência espiritual de são João Baptista, aquele que precedeu a vinda do Messias «pregando o batismo de conversão» ao povo de Israel. E o Papa Francisco na solenidade da Natividade do Precursor, repropôs este trinómio como paradigma da vocação de cada cristão, inserindo-o em três expressões relativas à atitude do Batista em relação a Jesus: «Depois de mim, diante de mim, longe de mim».

João agiu antes de tudo para «preparar, sem nada tomar para si». Ele, recordou o Pontífice, «era um homem importante: as pessoas procuravam-no, seguiam-no», porque as suas palavras «eram fortes» como «espada afiada», segundo a expressão de Isaías (49, 2). O Baptista «alcançava o coração» das pessoas. E se «porventura teve a tentação de acreditar que era importante, não caiu nela», como demonstra a resposta que deu aos doutores que lhe perguntaram se era o Messias: «Sou voz, só voz — disse — de uma pessoa que grita no deserto. Sou somente voz, mas vim preparar o caminho para o Senhor». Portanto, a sua primeira tarefa é «preparar o coração do povo para o encontro com o Senhor».

Mas quem é o Senhor? Na resposta a esta pergunta está «a segunda vocação de João: discernir, entre muitas pessoas boas, quem é o Senhor». E «o Espírito — observou o Papa — revelou-lhe isto». De forma que «ele teve a coragem de dizer: “É este. Este é o cordeiro de Deus, o que tira o pecado do mundo”». Enquanto «na preparação João dizia: «Depois de mim vem outro...”, no discernimento, que sabe distinguir e indicar o Senhor, disse: “Diante de mim... é este”».

Neste ponto, insere-se «a terceira vocação de João: diminuir». Porque precisamente «a partir daquele momento — recordou o bispo de Roma — a sua vida começou a abaixar-se, a diminuir para que o Senhor pudesse crescer, até se aniquilar a si mesmo». Esta foi, observou o Papa Francisco, a etapa mais difícil de João, porque o Senhor tinha um estilo que ele não imaginou, a tal ponto que na prisão», onde foi mandado por Herodes Antipas, «sofreu não só a escuridão da cela mas também a do coração». Foi assaltado pelas dúvidas: «Mas será este? Terei errado?». A ponto que, recordou o Pontífice, pediu aos discípulos que fossem ter com Jesus para lhe perguntar: «Mas és tu ou temos que esperar outro?».

«A humilhação de João — frisou o bispo de Roma — foi dupla: a humilhação da sua morte, como preço de um capricho», mas também a humilhação de não poder distinguir «a história de salvação: a humilhação da escuridão da alma». Este homem que «tinha anunciado o Senhor que vinha atrás de si», que «o tinha visto diante de si», que «o soube esperar e discernir», agora «via Jesus distante. A promessa tinha-se afastado. E acabou sozinho, na escuridão, na humilhação». Não porque amasse o sofrimento, mas «porque se aniquilou para que o Senhor crescesse». Acabou «humilhado, mas com o coração em paz».

«É bom — afirmou Francisco, concluindo — pensar na vocação do cristão deste modo». De facto, «um cristão não se anuncia a si mesmo, anuncia outro, prepara o caminho para outro: para o Senhor». Além disso «deve saber discernir, saber discernir a verdade do que parece verdade e não é: homem de discernimento». Por fim «deve ser um homem que saiba abaixar-se para que o Senhor cresça, no coração e na alma dos outros».

Papa Francisco

(Meditações Matutinas , 24 de junho de 2014)

sábado, 22 de junho de 2024

XII DOMINGO DO TEMPO COMUM

Hoje, o Senhor desafia-nos a ter uma fé verdadeira em Deus e, ao mesmo tempo, impele-nos a passar para a outra margem, a confiar-Lhe a navegação da “barca”, que é a nossa vida. Pede-nos que caminhemos, que nos “façamos ao mar”, junto de todos os que coloca nos nossos caminhos. E, quando a tormenta for grande, deixemos que Ele, que venceu a morte, por nosso amor, acalme os nossos medos, angústias e sofrimentos e nos leve à outra margem, aos que precisam de O conhecer através de nós. Confiemos no Único que nunca nos abandona, como Ele nos ensinou a confiar no Pai.

Na 1ªleitura (Job 38, 1.8-11) escutamos a resposta de Deus às perguntas de Job, que duramente provado na sua fé, põe em dúvida a justiça e o silêncio divinos. É no meio do silêncio, fruto da oração e da comunhão com Deus, que, também como Job, podemos escutar a resposta de Deus às nossas “revoltas”, medos e sofrimentos. Afinal, Ele é o Senhor da Criação, tem o poder sobre todos os elementos, até sobre o mar… e, mais importante ainda, hoje, em Jesus ressuscitado, temos a certeza que, para lá de tudo o que não entendemos, está sempre o Amor infinito de Deus, por cada um de nós.

“O Senhor respondeu a Job do meio da tempestade, dizendo: «Quem encerrou o mar entre dois batentes, quando ele irrompeu do seio do abismo, quando Eu o revesti de neblina e o envolvi com uma nuvem sombria, quando lhe fixei limites e lhe tranquei portas e ferrolhos? E disse-lhe: ‘Chegarás até aqui e não irás mais além, aqui se quebrará a altivez das tuas vagas’».”

Na 2ªleitura (2 Cor 5, 14-17) S.Paulo é muito claro quando nos diz que em Jesus Cristo tudo foi renovado, por isso, a partir do nosso batismo, n’Ele  passamos a ser novas criaturas. Deixemo-nos habitar e transformar por Ele.

“Irmãos: O amor de Cristo nos impele, ao pensarmos que um só morreu por todos e que todos, portanto, morreram. Cristo morreu por todos, para que os vivos deixem de viver para si próprios, mas vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles. Assim, daqui em diante, já não conhecemos ninguém segundo a carne. Ainda que tenhamos conhecido a Cristo segundo a carne, agora já não O conhecemos assim. Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. As coisas antigas passaram: tudo foi renovado.”

No Evangelho (Mc 4, 35-41) Marcos leva-nos a contemplar Jesus em duas situações diferentes: numa está a descansar, com a cabeça reclinada numa almofada, tranquilo, confiante, entregue ao Pai; na outra a dominar o vento e a tempestade. O que é que liga estes dois momentos tão diferentes? O pedido de ajuda dos seus discípulos. Ele esteve e está sempre presente, nunca nos deixa sós. Façamos como os discípulos, no meio das dúvidas, dos medos, das incertezas e angústias, das nossas tempestades, recorramos ao Único que está sempre connosco, Jesus Cristo ressuscitado, que deu a vida por cada um de nós. Esta é a certeza da fé que professamos. Nunca duvidemos do Amor infinito de Deus por todos e cada um de nós.

“Naquele dia, ao cair da tarde, Jesus disse aos seus discípulos: «Passemos à outra margem do lago». Eles deixaram a multidão e levaram Jesus consigo na barca em que estava sentado. Iam com Ele outras embarcações. Levantou-se então uma grande tormenta e as ondas eram tão altas que enchiam a barca de água. Jesus, à popa, dormia com a cabeça numa almofada. Eles acordaram-n’O e disseram: «Mestre, não Te importas que pereçamos?». Jesus levantou-Se, falou ao vento imperiosamente e disse ao mar: «Cala-te e está quieto». O vento cessou e fez-se grande bonança. Depois disse aos discípulos: «Porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?». Eles ficaram cheios de temor e diziam uns para os outros: «Quem é este homem, que até o vento e o mar Lhe obedecem?».”

Senhor, entrego-Te toda a humanidade a braços com tantas guerras, que parecem nunca mais ter fim. Sem Ti perdemo-nos, andamos à deriva. Ajuda-nos. Tem compaixão de nós, Senhor!

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!

Na liturgia de hoje narra-se o episódio da tempestade acalmada por Jesus (Mc 4, 35-41). O barco em que os discípulos atravessam o lago é acometido pelo vento e pelas ondas e eles têm medo de afundar. Jesus encontra-se com eles no barco, mas está na popa, deitado na almofada, e dorme. Cheios de medo, os discípulos gritam com Ele: «Mestre, não te importas que pereçamos?» (v. 38).

E muitas vezes também nós, assaltados pelas provações da vida, gritamos ao Senhor: “Por que permaneces em silêncio e não fazes nada por mim?”. Sobretudo quando temos a impressão de afundar, porque esvaece o amor ou o projeto em que tínhamos colocado grandes esperanças; ou quando estamos à mercê das ondas insistentes da ansiedade; ou quando nos sentimos esmagados pelos problemas ou desorientados no meio do mar da vida, sem rota e sem porto. Ou ainda, nos momentos em que falta a força para ir em frente, porque não há trabalho ou um diagnóstico inesperado nos faz temer pela saúde, nossa ou de um ente querido. Há muitos momentos em que nos sentimos numa tempestade, em que nos sentimos quase perdidos.

Nestas situações e em muitas outras, também nós nos sentimos sufocados pelo medo e, como os discípulos, corremos o risco de perder de vista o que é mais importante. Com efeito, no barco, embora durma, Jesus está presente, e partilha com os seus tudo o que acontece. O seu sono, se por um lado nos surpreende, por outro, põe-nos à prova. O Senhor está ali, está presente; efetivamente, espera - por assim dizer - que o interpelemos, que o invoquemos, que o coloquemos no centro do que vivemos. O seu sono estimula-nos a despertar. Pois para ser discípulo de Jesus, não basta acreditar que Deus está presente, que existe, mas é preciso pôr-se em jogo com Ele, é necessário levantar a voz com Ele. Escutai isto: é preciso gritar com Ele. Muitas vezes a oração é um grito: “Senhor, salva-me!”. Hoje, vi no programa “À sua imagem” muitos que vêm em embarcações e no momento do naufrágio gritam: “Salva-nos!”. A mesma coisa acontece na nossa vida: “Senhor, salva-nos!”, e a oração torna-se um clamor!

Hoje podemos perguntar-nos: quais são os ventos que se abatem sobre a minha vida, quais são as ondas que impedem a minha navegação e colocam em perigo a minha vida espiritual, a minha vida familiar, inclusive a minha vida psíquica? Digamos tudo isto a Jesus, contemos-lhe tudo. Ele deseja isto, quer que nos apeguemos a Ele para encontrar abrigo contra as ondas anómalas da vida. O Evangelho narra que os discípulos se aproximam de Jesus, que o acordam e falam com Ele (cf. v. 38). Eis o início da nossa fé: reconhecer que sozinhos não somos capazes de permanecer à tona, que precisamos de Jesus, como os marinheiros das estrelas para encontrar a rota. A fé começa quando acreditamos que não somos autossuficientes, quando nos sentimos necessitados de Deus. Quando vencemos a tentação de nos fecharmos em nós próprios, quando superamos a falsa religiosidade que não quer incomodar Deus, quando clamamos a Ele, Ele pode fazer maravilhas em nós. É a força suave e extraordinária da oração, que faz milagres.

Suplicado pelos discípulos, Jesus acalma o vento e as ondas. E faz-lhes uma pergunta, uma interrogação que também nos diz respeito: «Por que tendes medo? Ainda não tendes fé?» (v. 40). Os discípulos deixaram-se surpreender pelo medo, pois tinham-se fixado mais nas ondas do que em Jesus. E o medo leva-nos a olhar para as dificuldades, para os problemas graves e não para o Senhor, que muitas vezes dorme. Acontece o mesmo connosco: quantas vezes olhamos para os problemas, em vez de ir ter com o Senhor para depor nele as nossas preocupações! Quantas vezes deixamos o Senhor num canto, no fundo do barco da vida, para o acordar apenas no momento da necessidade! Hoje peçamos a graça de uma fé que não se canse de procurar o Senhor, de bater à porta do seu Coração. A Virgem Maria, que na sua vida nunca deixou de confiar em Deus, volte a despertar em nós a necessidade vital de nos confiarmos a Ele todos os dias.

Papa Francisco

(Angelus, 20 de junho de 2021)