Tempo Comum - 2023
Os textos litúrgicos deste domingo vão contra a corrente dos nossos dias,
pois situam-nos na paciência de Deus, que é infinita. Na verdade o “é para
hoje”, se não for para ontem, a que a corrida frenética do nosso viver obriga,
não tem nada a ver com o tempo de reflexão, de interiorização, ou de espera
confiante que as leituras nos propõem. Aprendamos de Deus a saber esperar o
tempo de reação de cada um, pois todos somos diferentes e na variedade de cada
um é que está a maravilha do sermos um povo, em igreja.
Na 1ªleitura (Sab 12, 13.16-19) o autor sagrado revela-nos Deus como um ser indulgente e misericordioso, com um Amor sem fim por cada um de nós, de tal forma que nos dá a esperança feliz de que O Senhor está sempre pronto, de braços abertos, para receber o coração arrependido que se Lhe entrega.
“Não há Deus, além de Vós, que tenha cuidado
de todas as coisas; a ninguém tendes de mostrar que não julgais injustamente. O
vosso poder é o princípio da justiça e o vosso domínio soberano torna-Vos
indulgente para com todos. Mostrais a vossa força aos que não acreditam na
vossa omnipotência e confundis a audácia daqueles que a conhecem. Mas Vós, o
Senhor da força, julgais com bondade e governais-nos com muita indulgência,
porque sempre podeis usar da força quando quiserdes. Agindo deste modo, ensinastes
ao vosso povo que o justo deve ser humano e aos vossos filhos destes a
esperança feliz de que, após o pecado, dais lugar ao arrependimento.”
Na 2ªleitura (Rom 8, 26-27) S. Paulo desafia-nos a vivermos do Espírito Santo, a deixarmos que nos habite, por inteiro, e assim, em nós reze ao Senhor. Que o Espírito Santo nos inunde com a Sua luz e n’Ele oremos a Deus.
“Irmãos: O Espírito Santo vem em auxílio da nossa fraqueza, porque não sabemos que pedir nas nossas orações; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis. E Aquele que vê no íntimo dos corações conhece as aspirações do Espírito, pois é em conformidade com Deus que o Espírito intercede pelos cristãos.”
“Naquele tempo, Jesus disse às multidões mais esta parábola: «O reino dos
Céus pode comparar-se a um homem que semeou boa semente no seu campo. Enquanto
todos dormiam, veio o inimigo, semeou joio no meio do trigo e foi-se embora.
Quando o trigo cresceu e começou a espigar, apareceu também o joio. Os servos
do dono da casa foram dizer-lhe: ‘Senhor, não semeaste boa semente no teu
campo? Donde vem então o joio?’. Ele respondeu-lhes: ‘Foi um inimigo que fez
isso’. Disseram-lhe os servos: ‘Queres que vamos arrancar o joio?’. ‘Não! –
disse ele – não suceda que, ao arrancardes o joio, arranqueis também o trigo.
Deixai-os crescer ambos até à ceifa e, na altura da ceifa, direi aos ceifeiros:
Apanhai primeiro o joio e atai-o em molhos para queimar; e ao trigo, recolhei-o
no meu celeiro’». Jesus disse-lhes outra parábola: «O reino dos Céus pode
comparar-se ao grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo. Sendo
a menor de todas as sementes, depois de crescer, é a maior de todas as plantas
da horta e torna-se árvore, de modo que as aves do céu vêm abrigar-se nos seus
ramos». Disse-lhes outra parábola: «O reino dos Céus pode comparar-se ao
fermento que uma mulher toma e mistura em três medidas de farinha, até ficar
tudo levedado». Tudo isto disse Jesus em parábolas, e sem parábolas nada lhes
dizia, a fim de se cumprir o que fora anunciado pelo profeta, que disse: «Abrirei
a minha boca em parábolas, proclamarei verdades ocultas desde a criação do
mundo». Jesus deixou então as multidões e foi para casa. Os discípulos
aproximaram-se d’Ele e disseram-Lhe: «Explica-nos a parábola do joio no campo».
Jesus respondeu: «Aquele que semeia a boa semente é o Filho do homem e o campo
é o mundo. A boa semente são os filhos do reino, o joio são os filhos do
Maligno e o inimigo que o semeou é o Diabo. A ceifa é o fim do mundo e os
ceifeiros são os Anjos. Como o joio é apanhado e queimado no fogo, assim será
no fim do mundo: o Filho do homem enviará os seus Anjos, que tirarão do seu
reino todos os escandalosos e todos os que praticam a iniquidade, e hão de
lançá-los na fornalha ardente; aí haverá choro e ranger de dentes. E os justos
brilharão como o sol no reino do seu Pai. Quem tem ouvidos, oiça».”
Vem Espírito Santo ao meu coração e reza em mim a Deus, Nosso Senhor.
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
No Evangelho de hoje (cf. Mt 13,
24-43) voltamos a encontrar Jesus, que fala à
multidão sobre o Reino dos Céus com parábolas. Comento apenas a primeira, a do
joio, através da qual Jesus nos dá a conhecer a paciência de Deus, abrindo
o nosso coração à esperança.
Jesus narra que no campo onde foi semeado o bom trigo, brota inclusive o
joio, termo que resume todas as ervas daninhas que infestam o solo. Entre nós,
podemos dizer também que ainda hoje o solo é devastado por muitos herbicidas e
pesticidas, que afinal também fazem mal para a erva, o solo e a saúde. Mas
isto, entre parênteses. Então, os servos vão ter com o senhor para saber de
onde vem o joio, e ele responde: «Um inimigo fez isto!» (v. 28). Pois semeamos trigo bom! Um inimigo, um concorrente, veio e fez isto. Eles
gostariam de arrancar imediatamente as ervas daninhas que cresciam; mas o
senhor impede-os, pois com as ervas daninhas - o joio - se correria o risco de
arrancar também o trigo. É necessário esperar até ao momento da colheita: só
então haverá a separação e as ervas daninhas serão queimadas. É também uma
história de bom senso.
Pode-se ler nesta parábola uma visão da história. Ao lado de Deus - o dono
do campo - que semeia sempre e apenas boas sementes, há um adversário, que
semeia o joio para dificultar o crescimento do trigo. O dono age abertamente, à
luz do sol, e o seu objetivo é uma boa colheita; o adversário, ao contrário,
aproveita-se da escuridão da noite e trabalha por inveja, por hostilidade, para
arruinar tudo. O adversário a quem Jesus se refere tem um nome: é o diabo, o
opositor por excelência de Deus. A sua intenção é dificultar o trabalho de
salvação, fazer com que o Reino de Deus seja impedido por trabalhadores
injustos, semeadores de escândalos. Com efeito, a boa semente e o joio não
representam o bem e o mal abstrato, mas nós, seres humanos, que podemos seguir
Deus ou o diabo. Muitas vezes, ouvimos dizer que uma família estava em paz,
depois começaram as guerras, a inveja... um bairro estava em paz, depois houve
situações negativas... E estamos habituados a dizer: “Alguém foi lá para semear
contendas”, ou “esta pessoa da família, com bisbilhotices, semeia joio”. Semear
o mal destrói sempre. E isto é feito pelo diabo ou pela nossa tentação: quando
caímos na tentação de tagarelar para destruir os outros.
A intenção dos servos é eliminar imediatamente o mal, ou seja, as pessoas
más, mas o dono é mais sábio, vê além: devem saber esperar, pois suportar a
perseguição e a hostilidade faz parte da vocação cristã. Certamente, o mal há
de ser rejeitado, mas os ímpios são pessoas com as quais é preciso ter
paciência. Não se trata da tolerância hipócrita que esconde ambiguidades, mas
da justiça temperada pela misericórdia. Se Jesus veio em busca mais de
pecadores do que de justos, para curar os doentes antes ainda que os saudáveis (cf. Mt 9, 12-13), também a ação dos seus discípulos deve
ter em vista não suprimir os ímpios, mas salvá-los. Eis no que consiste a
paciência!
O Evangelho de hoje apresenta duas formas de agir e de habitar a história:
por um lado, o olhar do dono, que vê além; por outro, o olhar dos servos, que
veem o problema. Os servos preocupam-se com um campo sem ervas daninhas, o dono
preocupa-se com o trigo bom. O Senhor convida-nos a ter o seu olhar, que se
fixa no trigo bom, que sabe conservá-lo até no meio das ervas daninhas. Não
coopera com Deus quem procura os limites e defeitos dos outros mas, ao
contrário, quem sabe reconhecer o bem que cresce silenciosamente no campo da
Igreja e da história, cultivando-o até ao amadurecimento. E então será Deus, e
só Ele, que recompensará os bons e castigará os ímpios. Que a Virgem Maria nos
ajude a compreender e a imitar a paciência de Deus, o qual não quer que se
perca nenhum dos seus filhos, aos quais Ele ama com amor de Pai.
Papa Francisco
(Angelus,19 de julho de 2020)
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