Tempo Comum - 2023
As leituras de hoje projetam-nos para o Amor
maior, isto é, para Aquele em quem o Amor é de tal maneira infinito e total,
que se transmite apenas porque Ele é. Dito de outra forma, se permanecermos em
Deus, se nos deixarmos habitar por Ele, e só por Ele, entraremos na dinâmica do
Amor, pois é Ele quem ama em nós. Este é, para mim, o maior desafio da nossa
vida, enquanto cristãos, deixarmo-nos amar totalmente por Deus. Quando Deus, e
só Ele, for a razão de ser da nossa vida, o nosso amor primeiro, Aquele por quem
vale a pena viver e existir, então n’Ele será possível amar, viver no amor, no
concreto da vida, junto do nosso próximo, seja ele (a) quem for, mesmo quando
humanamente não gostamos deste(a) ou daquele(a). Ó Amor Eterno, faz de cada um
de nós, teus filhos no Filho, transmissores do Amor, de Ti, junto do nosso
próximo, junto de cada um(a) que colocas nos nossos caminhos de cada dia.
Na 1ªleitura (2 Reis 4, 8-11.14-16a) é Eliseu que nos demonstra, através do testemunho de vida de “uma distinta senhora” que todo o que acolhe o próximo, seja ele quem for, mas mais ainda, se for um homem de Deus, entra na dinâmica da comunicação da vida, do Amor de Deus, pois a verdade é que é Deus quem, em cada um(a), se comunica e Deus é a Vida, o Amor.
“Certo dia, o profeta
Eliseu passou por Sunam. Vivia lá uma distinta senhora, que o convidou com
insistência a comer em sua casa. A partir de então, sempre que por ali passava,
era em sua casa que ia tomar a refeição. A senhora disse ao marido: «Estou
convencida de que este homem, que passa frequentemente pela nossa casa, é um
santo homem de Deus. Mandemos-lhe fazer no terraço um pequeno quarto com
paredes de tijolo, com uma cama, uma mesa, uma cadeira e uma lâmpada. Quando
ele vier a nossa casa, poderá lá ficar». Um dia, chegou Eliseu e recolheu-se ao
quarto para descansar. Depois perguntou ao seu servo Giezi: «Que podemos fazer
por esta senhora?». Giezi respondeu: «Na verdade, ela não tem filhos e o seu
marido é de idade avançada». «Chama-a» – disse Eliseu. O servo foi chamá-la e
ela apareceu à porta. Disse-lhe o profeta: «No próximo ano, por esta época,
terás um filho nos braços».”
Na 2ªleitura (Rom 6, 3-4.8-11) S.Paulo centra-nos no Amor, na verdadeira
Vida, pois, diz-nos ele, fomos batizados em Cristo Jesus, que ressuscitou dos
mortos e nos resgatou para a vida em Deus, para o Amor. Que, em Jesus
ressuscitado, também cada um de nós viva uma vida nova, pela glória do Pai.
“Irmãos: Todos nós que fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte. Fomos sepultados com Ele pelo Batismo na sua morte, para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos, pela glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova. Se morremos com Cristo, acreditamos que também com Ele viveremos; sabendo que, uma vez ressuscitado dos mortos, Cristo já não pode morrer; a morte já não tem domínio sobre Ele. Porque na morte que sofreu, Cristo morreu para o pecado de uma vez para sempre; mas a sua vida, é uma vida para Deus. Assim, vós também, considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus, em Cristo Jesus.”
“Naquele tempo, disse Jesus aos seus apóstolos: «Quem ama o pai ou a mãe
mais do que a Mim, não é digno de Mim; e quem ama o filho ou a filha mais do
que a Mim, não é digno de Mim. Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não é
digno de Mim. Quem encontrar a sua vida há de perdê-la; e quem perder a sua
vida por minha causa, há de encontrá-la. Quem vos recebe, a Mim recebe; e quem
Me recebe, recebe Aquele que Me enviou. Quem recebe um profeta por ele ser
profeta, receberá a recompensa de profeta; e quem recebe um justo por ele ser
justo, receberá a recompensa de justo. E se alguém der de beber, nem que seja
um copo de água fresca, a um destes pequeninos, por ele ser meu discípulo, em
verdade vos digo: Não perderá a sua recompensa».”
Senhor, que Tu sejas o meu único amor, o centro, a razão de ser da minha vida
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
No Evangelho deste domingo (cf. Mt 10, 37-42) ressoa
fortemente o convite a viver plenamente e sem hesitação a nossa adesão ao
Senhor. Jesus pede aos seus discípulos que levem a sério as exigências do
Evangelho, mesmo quando isto requer sacrifício e esforço.
O primeiro pedido exigente que Ele faz àqueles que O seguem é que coloquem
o amor a Ele acima dos afetos familiares. Ele diz: «Quem amar o pai ou a mãe,
[...] o filho ou a filha mais do que a Mim, não é digno de Mim» (v. 37). Jesus
não pretende certamente subestimar o amor pelos pais e filhos, mas sabe que os
laços de parentesco, se forem postos em primeiro lugar, podem desviar do
verdadeiro bem. Vemo-lo: acontecem algumas corrupções nos governos precisamente
porque o amor à parentela é maior do que o amor à pátria, e dão cargos aos
parentes. O mesmo acontece com Jesus: não é bom quando o amor [aos familiares]
é maior do que [o amor a] Ele. Todos nós poderíamos dar muitos exemplos a este
respeito. Sem mencionar as situações em que os afetos familiares se misturam
com escolhas opostas ao Evangelho. Quando, por outro lado, o amor aos pais e
filhos é animado e purificado pelo amor ao Senhor, então torna-se plenamente
fecundo e produz frutos de bem na própria família e muito para além dela. Neste
sentido Jesus diz esta frase. Recordemos também como Jesus admoesta os doutores
da lei que fazem faltar o necessário aos pais com a pretensão de o oferecer ao
altar, de o dar à Igreja (cf. Mc 7, 8-13). Repreende-os! O
verdadeiro amor a Jesus exige um amor autêntico aos pais e aos filhos, mas se
procurarmos primeiro o interesse familiar isto leva sempre pelo caminho errado.
Então Jesus diz aos seus discípulos: «Quem não tomar a sua cruz para Me
seguir, não é digno de mim» (v. 38). É uma questão de O seguir no caminho que
Ele próprio percorreu, sem procurar atalhos. Não há amor verdadeiro sem cruz,
ou seja, sem um preço a pagar pessoalmente. E dizem-no muitas mães, muitos
pais, que tanto se sacrificam pelos filhos e suportam verdadeiras dificuldades
e cruzes, porque amam. E carregada com Jesus, a cruz não é assustadora, porque
Ele está sempre ao nosso lado para nos apoiar na hora da prova mais dura, para
nos dar força e coragem. Também não é necessário preocupar-se por preservar a
própria vida, com uma atitude temerosa e egoísta. Jesus admoesta: «Aquele que
tenta conservar para si a vida, perdê-la-á, e quem tiver perdido a própria vida
por Minha causa – isto é, por amor, por amor a Jesus, por amor ao próximo, pelo
serviço aos outros - encontrá-la-á» (cf. v. 39). Este é o paradoxo do Evangelho.
Mas temos, graças a Deus, também muitos exemplos como este! Vemo-lo
nestes dias. Quantas pessoas, quantas pessoas estão a carregar cruzes para
ajudar os outros! Sacrificam-se para ajudar o próximo em necessidade nesta
pandemia. Mas com Jesus é sempre possível. Encontramos a plenitude da vida e da
alegria através da doação de nós mesmos pelo Evangelho e pelos irmãos,
com abertura, aceitação e benevolência.
Ao fazê-lo, podemos experimentar a generosidade e a gratidão de Deus. Jesus
lembra-nos: «Quem vos recebe, a Mim recebe [...]. Quem der de beber a um destes
pequeninos [...] não perderá a recompensa» (vv. 40; 42). A generosa gratidão de
Deus Pai tem em conta até o mais pequeno gesto de amor e serviço aos seus
irmãos. Nestes dias ouvi um sacerdote dizer que estava comovido porque na
paróquia uma criança se aproximou dele e disse-lhe: “Padre, estas são as minhas
poupanças, são poucas, são para os teus pobres, para aqueles que hoje estão em
necessidade por causa da pandemia”. É pouco mas é muito! É uma generosidade
contagiosa, que ajuda cada um de nós a sentir gratidão para com aqueles que se
preocupam com as nossas necessidades. Quando alguém nos oferece um serviço, não
devemos pensar que tudo nos é devido. Não, muitos serviços fazem-se por
gratuidade. Pensai no voluntariado, que é uma das maiores realidades que
existem na sociedade italiana. Os voluntários... e quantos deles perderam a
vida nesta pandemia! Faz-se por amor, simplesmente por serviço. A gratidão, o
reconhecimento, é antes de mais um sinal de boas maneiras, mas é também um
distintivo do cristão. É um sinal simples mas genuíno do reino de Deus, que é
reino de amor gratuito e reconhecido.
Maria Santíssima, que amou Jesus mais do que a sua própria vida e o seguiu até à cruz, nos ajude a colocarmo-nos sempre diante de Deus com coração disponível, deixando que a sua Palavra julgue o nossos comportamentos e as nossas escolhas.
Papa Francisco
(Angelus, 28 de junho de 2020)
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