A oração pode deter a guerra? Sim. Nós acreditamos
«Pensávamos que éramos sãos num mundo
doente.» Com estas palavras o papa Francisco dirigiu-se ao mundo naquele triste
anoitecer de 27 de março de há dois anos, quando a pandemia nos tinha
prisioneiros em casa. Um mundo doente de egoísmo, de estultícia, de orgulho
pessoal, familiar, comunitário.
Depois de tanto sofrimento oferecido a
mãos cheias por um vírus invisível e mau, esperávamos que nos tornássemos mais
bons, mais humildes, mais irmãos. Teria sido, na verdade, a única coisa sensata
a fazer. A pandemia, subtraindo-nos – pelo menos durante algum tempo – àquela
quotidianidade que não sabíamos apreciar e tornávamos aborrecida, repetitiva,
pálida, tinha-nos catapultado para as altas esferas da reflexão séria. Quem é o
ser humano? Quem sou eu, homem, mulher? Que coisa é a pátria? Quanto amo a
minha e a dos outros? Ainda não passou o perigo, continuamos sob a ameaça deste
microscópico e terrível inimigo, e eis os seres humanos, estultos como já
tantas outras vezes, que se preparam para se dilacerar. Quem tem razão? Quem
está errado? Todos têm razão e todos estão errados. Basta colocar-se em
determinada posição para ver as coisas de um certo modo. Experimenta mudar,
mesmo só um instante, e a realidade vai-te aparecer diferente.
A guerra. O que é a guerra? O que foram as
guerras? Quem quer a guerra? Decerto é destruição. De tudo, não só de coisas e
de pessoas. É destruição de esperança. Séculos de pensamento, de reflexão, de
estudos, de paciência, a procurar encontrar a indispensável maneira de vivermos juntos sem nos fazer mal, mas usufruindo dos sucessos, da beleza e da grandeza
alheias, são varridos em poucas horas. Sim, porque a guerra diz respeito a
todos, a quem vive em lugares onde mandam as armas e a quem, no exterior deles,
se ilude que se escapa impune.
Aos seus, Jesus pediu para orar. E eles fazem-no. Fazemo-lo. Queremos fazê-lo. Aos seus, Jesus promete escutar o seu angustiado grito. E nós acreditamos.
A guerra diz incapacidade de diálogo.
Incapacidade de sentir-se, se não irmão, pelo menos companheiro de viagem desta
aventura única e preciosa que é a vida. A guerra será sempre e apenas «massacre
inútil». A guerra – toda a guerra – sempre aportará às margens de um mar
envenenado onde «tudo está perdido».
A paz. Seja perseguida a paz. Procurada,
arrancada, agarrada, retida. Só a paz é vida. Só a paz educa. A guerra destrói
a possibilidade da convivência presente e futura. Destrói a educação das
crianças, dos adolescentes, dos jovens. Com que coragem continuaremos a pedir
aos pequenos para não agredirem e respeitarem os amigos, sobretudo os mais
fracos? Onde encontraremos a força para continuar a combater as mafias
assassinas e sanguinárias se um Estado, com todos os poderes que lhe foram
conferidos ou usurpados, não consegue dialogar com serenidade e recorre à força
das armas?
Os crentes rezam. Rezam os crentes de cada religião, hoje mais que nunca irmanados, ajoelhados diante do mesmo Deus, como quer que lhe chamem. Rezam os crentes com as palavras e as lágrimas. Imploram ao Pai, que está nos Céus, e em cada canto da Terra, para evitar que os seres humanos de qualquer raça e condição acabem sob o jogo absurdo, medonho e ilógico das armas. O que é a oração? Um remedeio? A arma dos fracos, de quem, não tendo voz na assembleia, não sabe fazer outra coisa a não ser pedir a Deus para intervir? Quem é o ser humano que reza? Poderá Deus, que desde sempre, pelo respeito que confere à liberdade do ser humano, tolera e sofre pelos seus feitos vergonhosos, intervir hoje?
Amemos, então. Desapaixonadamente. Seriamente. Concretamente. Amemos sem perder tempo a medir o tempo e as palavras
Entramos no mistério. Aos seus, Jesus
pediu para orar. E eles fazem-no. Fazemo-lo. Queremos fazê-lo. Aos seus, Jesus
promete escutar o seu angustiado grito. E nós acreditamos. E continuamos a
acreditar mesmo quando os poderosos deste mundo, esquecendo o mandato recebido,
e tapando os ouvidos aos gritos de medo daqueles sobre os quais exercem o
poder, feitos prisioneiros de orgulhosos interesses económicos e políticos,
deixam de escutar o grito dos pobres, que morrem.
A oração pode deter a guerra? Sim. Nós
acreditamos. De que maneiras? Não o sabemos, nem tão-pouco nos interessa.
Continuamos a confiar em Deus. «Não admira que Escolástica tivesse mais poder
que o irmão. Tendo em conta que, segundo a palavra de João, “Deus é amor”, foi
muito certo que pudesse mais aquela que mais amou.» Palavra de S. Gregório
Magno.
Amemos, então. Desapaixonadamente. Seriamente. Concretamente. Amemos sem perder tempo a medir o tempo e as palavras. Não temamos sofrer. Este sofrimento promove-nos a seres humanos. Amemos e oremos. O Senhor, amante da vida, não permitirá que, mais uma vez, esta vida única, preciosa e irrepetível de tantos seus pobres filhos seja humilhada, pisada e morta por uma guerra estúpida, absurda e evitável.
Maurizio Patriciello
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: The Light Writer 33/Bigstock.com
Publicado em 25.02.2022
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