(A propósito do último livro lido, no clube de leitura cristã, na paróquia onde vivo)
«Etty Hillesum, a holandesa judia,
morta em Auschwitz, surpreendeu-me pela serenidade com que enfrentou o
sofrimento, as adversidades, procurando, através da oração, de joelhos, da
meditação e da própria escrita, olhar de frente o mal, mas sem se dar por vencida
e sem dar a primazia ao mal. Apesar de todo o mal infligido, o bem está a
germinar por toda a parte e há de vencer. Por ora é tempo de lutar para que as
pessoas não enterrem Deus nos seus corações.
O
mundo parece desmoronar-se e a violência gratuita (sobretudo) contra os judeus
acentua-se, apesar disso, Etty Hillesum continua a esperar em Deus. Para sermos
felizes não nos permitimos simplesmente virar as costas ao sofrimento. “Somos
sobretudo nós próprios que nos roubamos. Acho a vida bela e sinto-me livre. Os
céus estendem-se tanto dentro como acima de mim. Creio em Deus e nos homens e
atrevo-me a dizê-lo sem falso pudor. A vida é difícil, ma isso não é grave… Meu
Deus, dou-te graças por me teres criado tal como sou. Dou-te graças porque às
vezes me permites estar tão cheia de vastidão, daquela vastidão que não é senão
o meu ser transbordante de Ti”.
O
poder da violência é por agora invencível, mas não nos podem roubar a vida, não
podem entrar no nosso íntimo, lugar onde encontramos Deus. “Dentro de mim há
uma nascente muito profunda. E nessa nascente está Deus. Por vezes, consigo
alcançá-lo, a maior parte das vezes, está coberta de pedras e de areia: nessas
alturas, Deus está sepultado. Então há que voltar a desenterrá-lo. Imagino que
certas pessoas rezam com os olhos fixos no céu: elas procuram Deus fora de si.
Há outras que inclinam a cabeça, escondendo-a entre as mãos: creio que estas
procuram Deus dentro de si”.
E se
Deus não me ajudar? Então serei eu a ajudar Deus…
“Prometo-te
uma coisa, meu Deus: tentarei ajudar-Te para que Tu não sejas destruído dentro
de mim… A única coisa que podemos salvar destes tempos, e também a única coisa
que conta de verdade, é um pedaço de Ti em nós mesmos, meu Deus. E talvez
também possamos contribuir para te desenterrar dos corações devastados dos
outros homens… Eu não ponho em questão a tua responsabilidade, mais tarde serás
Tu a declarar-nos responsáveis a nós… Tu não nos podes ajudar, mas cabe-nos a
nós ajudar-te a Ti, defender até ao fim a tua casa em nós... acredita, não te
expulsarei do meu território”.»
Publicado na Voz de Lamego, n.º 4372, de 19 de julho de 2016
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