Nas leituras
deste domingo somos convidados a deixarmo-nos “fazer” pela Palavra de Deus, a
deixarmo-nos “construir” pela Lei do Senhor. Como por toda a lei, é também
através desta, que vamos pautando o nosso caminho e percebendo que, por si só,
pode levar a um cumprimento rígido e despersonalizado na vivência comunitária.
Mas, enraizada na vida, em Deus Amor, a Lei do Senhor transforma-nos em seres
respeitadores e solidários em relação a tudo e a todos, torna-nos parte do povo
de Deus, ou melhor, faz-nos comunhão com todos os irmãos em Cristo.
Na
1ªleitura (Deut 4,
1-2.6-8) Moisés fala-nos da lei de Deus, dos seus
benefícios e da necessidade de a aplicar na vida. Mas, no final, quando se
reporta ao seu autor, o coração salta-nos no peito, porque nos centra no Amor
d’Aquele que nos é tão próximo, que nos habita na Sua Lei e Se faz um connosco.
Quem, como nós, tem um Deus assim imanente a si próprio e a cada ser vivente,
por Si criado, para vivermos todos em comunhão!? Só o Amor dá sentido à Lei, só
n’Ele é possível amarmo-nos uns aos outros.
“Moisés falou
ao povo, dizendo: «Agora escuta, Israel, as leis e os preceitos que vos dou a
conhecer e ponde-os em prática, para que vivais e entreis na posse da terra que
vos dá o Senhor, Deus de vossos pais. Não acrescentareis nada ao que vos
ordeno, nem suprimireis coisa alguma, mas guardareis os mandamentos do Senhor
vosso Deus, tal como eu vo-los prescrevo. Observai-os e ponde-os em prática:
eles serão a vossa sabedoria e a vossa prudência aos olhos dos povos, que, ao
ouvirem falar de todas estas leis, dirão: ‘Que povo tão sábio e tão prudente é
esta grande nação!’. Qual é, na verdade, a grande nação que tem a divindade tão
perto de si como está perto de nós o Senhor, nosso Deus, sempre que O
invocamos? E qual é a grande nação que tem mandamentos e decretos tão justos
como esta lei que hoje vos apresento?».”
Na
2ªleitura (Tg 1,
17-18.21b-22.27) é S.Tiago que nos alerta para o
perigo de ouvirmos o que a lei nos diz, mas não vivermos segundo os seus
princípios e normas. Que adianta escutarmos a Lei se não a pusermos em prática.
É na vida, junto dos que connosco se relacionam, que se testa a qualidade da
nossa escuta. Que o Senhor preencha o nosso coração, inunde o nosso ser e a
nossa vida espelhará o que nos vais na alma.
“Caríssimos
irmãos: Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vêm do alto, descem do Pai das
luzes, no qual não há variação nem sombra de mudança. Foi Ele que nos gerou
pela palavra da verdade, para sermos como primícias das suas criaturas. Acolhei
docilmente a palavra em vós plantada, que pode salvar as vossas almas. Sede
cumpridores da palavra e não apenas ouvintes, pois seria enganar-vos a vós
mesmos. A religião pura e sem mancha, aos olhos de Deus, nosso Pai, consiste em
visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e conservar-se limpo do
contágio do mundo.”
No
Evangelho (Mc 7,
1-8.14-15.21-23) é Jesus quem nos diz que o
mais importante não são os princípios e as normas da lei, mas a forma como os
vivemos, no dia a dia, junto dos que nos são próximos. Que importa sabermos de
cor todos os mandamentos se não vivemos o que nos preconizam? O que
verdadeiramente nos carateriza, nos qualifica é o que, e o como, fazemos. Como
diz o nosso povo, “palavras leva-as o vento”, o que permanece é a forma e o
como pomos em prática a lei, isto é, o como vivemos e amamos.
“Naquele
tempo, reuniu-se à volta de Jesus um grupo de fariseus e alguns escribas que
tinham vindo de Jerusalém. Viram que alguns dos discípulos de Jesus comiam com
as mãos impuras, isto é, sem as lavar. – Na verdade, os fariseus e os judeus em
geral não comem sem ter lavado cuidadosamente as mãos, conforme a tradição dos
antigos. Ao voltarem da praça pública, não comem sem antes se terem lavado. E
seguem muitos outros costumes a que se prenderam por tradição, como lavar os
copos, os jarros e as vasilhas de cobre –. Os fariseus e os escribas
perguntaram a Jesus: «Porque não seguem os teus discípulos a tradição dos
antigos, e comem sem lavar as mãos?». Jesus respondeu-lhes: «Bem profetizou
Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está escrito: ‘Este povo honra-Me
com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim. É vão o culto que Me
prestam, e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos’. Vós
deixais de lado o mandamento de Deus, para vos prenderdes à tradição dos
homens». Depois, Jesus chamou de novo a Si a multidão e começou a dizer-lhe:
«Escutai-Me e procurai compreender. Não há nada fora do homem que ao entrar
nele o possa tornar impuro. O que sai do homem é que o torna impuro; porque do
interior do homem é que saem as más intenções: imoralidades, roubos,
assassínios, adultérios, cobiças, injustiças, fraudes, devassidão, inveja,
difamação, orgulho, insensatez. Todos estes vícios saem do interior do homem e
são eles que o tornam impuro».”
Senhor,
inunda-me de Ti, do Amor, para que eu viva pondo em prática a Tua Lei.
Estimados
irmãos e irmãs, bom dia!
O Evangelho deste domingo
apresenta um debate entre Jesus e alguns fariseus e escribas. A discussão
refere-se ao valor da «tradição dos antigos» (Mc 7, 3) que Jesus, inspirando-se no profeta Isaías,
define como «preceitos humanos» (v.
7) e
que nunca deve tomar o lugar do «mandamento de Deus» (v. 8). As antigas prescrições em questão abrangiam não
apenas os preceitos de Deus revelados a Moisés, mas uma série de regras que
especificavam as indicações da lei mosaica. Os interlocutores aplicavam tais
normas de modo bastante escrupuloso, apresentando-as como expressão de
religiosidade autêntica. Portanto, a Jesus e aos seus discípulos repreendem a
transgressão daquelas normas, em particular no que se refere à purificação
exterior do corpo (cf.
v. 5).
A resposta de Jesus tem a força de um pronunciamento profético: «Descuidando o
mandamento de Deus — afirma — apegais-vos à tradição dos homens» (v. 8). São palavras que nos enchem de admiração pelo
nosso Mestre: sentimos que nele há verdade e que a sua sabedoria nos liberta
dos preconceitos.
Mas atenção! Com estas palavras
Jesus quer alertar-nos também a nós, hoje, para não pensarmos que a observância
exterior da lei é suficiente para sermos bons cristãos. Do mesmo modo como
outrora para os fariseus, também para nós existe o perigo de nos considerarmos retos
ou, pior ainda, melhores do que os outros, só porque observamos certas regras e
costumes, embora não amemos o nosso próximo, sejamos duros de coração, soberbos
e orgulhosos. A observância literal dos preceitos é algo estéril, se não muda o
coração nem se traduz em atitudes concretas: abrir-se ao encontro com Deus e à
sua Palavra na oração, procurar a justiça e a paz, socorrer os pobres, os mais
frágeis, os oprimidos. Nas nossas comunidades, nas nossas paróquias e nos
nossos bairros todos nós sabemos quanto mal fazem à Igreja e quanto escândalo
dão as pessoas que se dizem muito católicas e vão com frequência à igreja mas
depois, na sua vida quotidiana, descuidam a família, falam mal dos outros e
assim por diante. É isto que Jesus condena, porque este é um contratestemunho
cristão.
Dando continuidade à sua
exortação, Jesus concentra a atenção num aspeto mais profundo, afirmando: «Nada
há fora do homem que, entrando nele, o possa manchar; mas é o que sai do homem
que o torna impuro» (v.
15).
Deste modo, Ele salienta o primado da interioridade, ou seja a supremacia do
«coração»: não são as realidades externas que nos fazem santos ou não santos,
mas é o coração que exprime as nossas intenções, as nossas opções e o desejo de
fazer tudo por amor a Deus. As atitudes exteriores constituem a consequência
daquilo que já decidimos no nosso coração, e não o contrário: com a atitude
exterior, se o coração não muda, não somos cristãos autênticos. A fronteira
entre o bem e o mal não passa fora de nós mas, ao contrário, dentro. Então
podemos interrogar-nos: onde está o meu coração? Jesus dizia: «Onde está o teu
tesouro, lá também está o teu coração». Qual é o meu tesouro? É Jesus, é a sua
doutrina? Então, o coração é bom. Ou o tesouro é outra coisa? Portanto, é o
coração que se deve purificar e converter. Sem um coração purificado, não
podemos ter mãos verdadeiramente limpas, nem lábios que pronunciam palavras de
amor sinceras — tudo é falso, uma vida ambígua — lábios que pronunciam palavras
de misericórdia, de perdão. Isto só pode ser feito por um coração sincero e
purificado.
Peçamos ao Senhor, por
intercessão da Virgem Santa, que nos conceda um coração puro, livre de toda a
hipocrisia. É com este adjetivo que Jesus se dirige aos fariseus: «hipócritas»,
porque eles dizem uma coisa e fazem outra. Um coração livre de qualquer
hipocrisia, de modo a sermos capazes de viver segundo o espírito da lei e de
alcançar a sua finalidade, que é o amor.
Papa Francisco
(Angelus , 30 de agosto de 2015)
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