Papa reza pelo fim da pandemia
MOMENTO EXTRAORDINÁRIO DE ORAÇÃO
EM TEMPO DE EPIDEMIA
EM TEMPO DE EPIDEMIA
PPRESIDIDO PELO PAPA FRANCISCO
Adro da Basílica de São
Pedro
Sexta-feira, 27 de março de 2022
Sexta-feira, 27 de março de 2022
«Ao entardecer…» (Mc 4, 35): assim começa o Evangelho, que
ouvimos. Desde há semanas que parece o entardecer, parece cair a noite. Densas
trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas
vidas, enchendo tudo dum silêncio ensurdecedor e um vazio desolador, que
paralisa tudo à sua passagem: pressente-se no ar, nota-se nos gestos, dizem-no
os olhares. Revemo-nos temerosos e perdidos. À semelhança dos discípulos do
Evangelho, fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda.
Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados mas ao
mesmo tempo importantes e necessários: todos chamados a remar juntos, todos
carecidos de mútuo encorajamento. E, neste barco, estamos todos. Tal como os
discípulos que, falando a uma só voz, dizem angustiados «vamos perecer» (cf. 4,
38), assim também nós nos apercebemos de que não podemos continuar estrada cada
qual por conta própria, mas só o conseguiremos juntos.
Rever-nos nesta narrativa, é fácil; difícil é entender o comportamento de
Jesus. Enquanto os discípulos naturalmente se sentem alarmados e desesperados,
Ele está na popa, na parte do barco que se afunda primeiro... E que faz? Não
obstante a tempestade, dorme tranquilamente, confiado no Pai (é a única vez no
Evangelho que vemos Jesus a dormir). Acordam-No; mas, depois de acalmar o vento
e as águas, Ele volta-Se para os discípulos em tom de censura: «Porque sois tão
medrosos? Ainda não tendes fé?» (4, 40).
Procuremos compreender. Em que consiste esta falta de fé dos discípulos,
que se contrapõe à confiança de Jesus? Não é que deixaram de crer N’Ele, pois
invocam-No; mas vejamos como O invocam: «Mestre, não Te importas que
pereçamos?» (4, 38) Não Te importas: pensam que Jesus Se tenha
desinteressado deles, não cuide deles. Entre nós, nas nossas famílias, uma das
coisas que mais dói é ouvirmos dizer: «Não te importas de mim». É uma frase que
fere e desencadeia turbulência no coração. Terá abalado também Jesus, pois não
há ninguém que se importe mais de nós do que Ele. De facto, uma vez invocado,
salva os seus discípulos desalentados.
A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as
falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os
nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixamos
adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à
nossa comunidade. A tempestade põe a descoberto todos os propósitos de
«empacotar» e esquecer o que alimentou a alma dos nossos povos; todas as
tentativas de anestesiar com hábitos aparentemente «salvadores», incapazes de
fazer apelo às nossas raízes e evocar a memória dos nossos idosos, privando-nos
assim da imunidade necessária para enfrentar as adversidades.
Com a tempestade, caiu a maquilhagem dos estereótipos com que mascaramos o
nosso «eu» sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a descoberto, uma
vez mais, aquela (abençoada) pertença comum a que não nos podemos subtrair: a
pertença como irmãos.
«Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» Nesta tarde,
Senhor, a tua Palavra atinge e toca-nos a todos. Neste nosso mundo, que Tu amas
mais do que nós, avançamos a toda velocidade, sentindo-nos em tudo fortes e
capazes. Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e
transtornar pela pressa. Não nos detivemos perante os teus apelos, não
despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos
pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos, destemidos, pensando
que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente. Agora nós, sentindo-nos
em mar agitado, imploramos-Te: «Acorda, Senhor!»
«Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» Senhor, lanças-nos
um apelo, um apelo à fé. Esta não é tanto acreditar que Tu existes, como
sobretudo vir a Ti e fiar-se de Ti. Nesta Quaresma, ressoa o teu apelo urgente:
«Convertei-vos…». «Convertei-Vos a Mim de todo o vosso coração» (Jl 2,
12). Chamas-nos a aproveitar este tempo de prova como um tempo de
decisão. Não é o tempo do teu juízo, mas do nosso juízo: o tempo de decidir
o que conta e o que passa, de separar o que é necessário daquilo que não o é. É
o tempo de reajustar a rota da vida rumo a Ti, Senhor, e aos outros. E podemos
ver tantos companheiros de viagem exemplares, que, no medo, reagiram oferecendo
a própria vida. É a força operante do Espírito derramada e plasmada em entregas
corajosas e generosas. É a vida do Espírito, capaz de resgatar, valorizar e
mostrar como as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns
(habitualmente esquecidas), que não aparecem nas manchetes dos jornais e
revistas, nem nas grandes passarelas do último espetáculo, mas que hoje estão,
sem dúvida, a escrever os acontecimentos decisivos da nossa história: médicos,
enfermeiros e enfermeiras, trabalhadores dos supermercados, pessoal da limpeza,
curadores, transportadores, forças policiais, voluntários, sacerdotes, religiosas
e muitos – mas muitos – outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho.
Perante o sofrimento, onde se mede o verdadeiro desenvolvimento dos nossos
povos, descobrimos e experimentamos a oração sacerdotal de Jesus: «Que todos
sejam um só» (Jo 17, 21). Quantas pessoas dia a dia exercitam a
paciência e infundem esperança, tendo a peito não semear pânico, mas
corresponsabilidade! Quantos pais, mães, avôs e avós, professores mostram às
nossas crianças, com pequenos gestos do dia a dia, como enfrentar e atravessar
uma crise, readaptando hábitos, levantando o olhar e estimulando a oração!
Quantas pessoas rezam, se imolam e intercedem pelo bem de todos! A oração e o
serviço silencioso: são as nossas armas vencedoras.
«Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» O início da fé é
reconhecer-se necessitado de salvação. Não somos autossuficientes, sozinhos
afundamos: precisamos do Senhor como os antigos navegadores, das estrelas.
Convidemos Jesus a subir para o barco da nossa vida. Confiemos-Lhe os nossos
medos, para que Ele os vença. Com Ele a bordo, experimentaremos – como os
discípulos – que não há naufrágio. Porque esta é a força de Deus: fazer
resultar em bem tudo o que nos acontece, mesmo as coisas ruins. Ele serena as
nossas tempestades, porque, com Deus, a vida não morre jamais.
O Senhor interpela-nos e, no meio da nossa tempestade, convida-nos a
despertar e ativar a solidariedade e a esperança, capazes de dar solidez, apoio
e significado a estas horas em que tudo parece naufragar. O Senhor desperta,
para acordar e reanimar a nossa fé pascal. Temos uma âncora: na sua cruz, fomos
salvos. Temos um leme: na sua cruz, fomos resgatados. Temos uma esperança: na
sua cruz, fomos curados e abraçados, para que nada e ninguém nos separe do seu
amor redentor. No meio deste isolamento que nos faz padecer a limitação de
afetos e encontros e experimentar a falta de tantas coisas, ouçamos mais uma
vez o anúncio que nos salva: Ele ressuscitou e vive ao nosso lado. Da sua cruz,
o Senhor desafia-nos a encontrar a vida que nos espera, a olhar para aqueles
que nos reclamam, a reforçar, reconhecer e incentivar a graça que mora em nós.
Não apaguemos a mecha que ainda fumega (cf. Is 42, 3), que
nunca adoece, e deixemos que reacenda a esperança.
Abraçar a sua cruz significa encontrar a coragem de abraçar todas as
contrariedades da hora atual, abandonando por um momento a nossa ânsia de
omnipotência e possessão, para dar espaço à criatividade que só o Espírito é
capaz de suscitar. Significa encontrar a coragem de abrir espaços onde todos
possam sentir-se chamados e permitir novas formas de hospitalidade, de
fraternidade e de solidariedade. Na sua cruz, fomos salvos para acolher a
esperança e deixar que seja ela a fortalecer e sustentar todas as medidas e
estradas que nos possam ajudar a salvaguardar-nos e a salvaguardar. Abraçar o
Senhor, para abraçar a esperança. Aqui está a força da fé, que liberta do medo
e dá esperança.
«Porque sois tão
medrosos? Ainda não tendes fé?» Queridos irmãos e irmãs, deste lugar que
atesta a fé rochosa de Pedro, gostaria nesta tarde de vos confiar a todos ao
Senhor, pela intercessão de Nossa Senhora, saúde do seu povo, estrela do mar em
tempestade. Desta colunata que abraça Roma e o mundo desça sobre vós, como um
abraço consolador, a bênção de Deus. Senhor, abençoa o mundo, dá saúde aos
corpos e conforto aos corações! Pedes-nos para não ter medo; a nossa fé, porém,
é fraca e sentimo-nos temerosos. Mas Tu, Senhor, não nos deixes à mercê da
tempestade. Continua a repetir-nos: «Não tenhais medo!» (Mt14, 27). E
nós, juntamente com Pedro, «confiamos-Te todas as nossas preocupações, porque
Tu tens cuidado de nós» (cf. 1 Ped 5, 7).
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