sábado, 30 de novembro de 2024

 I DOMINGO DO ADVENTO

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!

Hoje começa o Advento, o tempo litúrgico que nos prepara para o Natal, convidando-nos a elevar o olhar e abrir o coração para receber Jesus. No Advento não vivemos unicamente a expetativa do Natal; somos convidados também a despertar a expetativa da vinda gloriosa de Cristo — quando, no fim dos tempos, Ele há de voltar — preparando-nos para o encontro final com Ele, mediante escolhas coerentes e corajosas. Recordamos o Natal, esperamos a vinda gloriosa de Cristo e inclusive o nosso encontro pessoal: o dia em que o Senhor chamará. Durante estas quatro semanas, somos chamados a abandonar um modo de viver resignado e habitudinário, e a sair alimentando esperanças, nutrindo sonhos para um novo futuro. O Evangelho deste domingo (cf. Lc 21, 25-28.34-36) vai precisamente nesta direção, alertando-nos a não nos deixarmos oprimir por um estilo de vida egocêntrico, nem pelos ritmos frenéticos dos dias. Ressoam particularmente incisivas as palavras de Jesus: «Velai sobre vós mesmos, para que os vossos corações não se tornem pesados com o excesso do comer, com a embriaguez e com as preocupações da vida; para que aquele dia não vos apanhe repentinamente […] Vigiai, pois, em todo o tempo e orai» (vv. 34.36).

Vigiar e rezar: eis como viver este tempo, a partir de hoje até ao Natal. Vigiar e rezar! O sono interior nasce do girar sempre em volta de nós mesmos e do permanecer sitiados no fechamento da própria vida, com os seus problemas, as suas alegrias e as suas dores, mas girar sempre ao nosso redor. E isto é cansativo, aborrece, fecha à esperança. Encontra-se aqui a raiz do torpor e da indolência dos quais o Evangelho fala. O Advento convida-nos a um compromisso de vigilância, olhando para fora de nós mesmos, ampliando a mente e o coração, para nos abrirmos às necessidades das pessoas, dos irmãos, ao desejo de um mundo novo. É o desejo de muitos povos martirizados pela fome, pela injustiça e pela guerra; é o desejo dos pobres, dos frágeis, dos abandonados. Este tempo é oportuno para abrirmos o nosso coração, para fazermos perguntas concretas sobre como e por quem despendemos a nossa vida.

A segunda atitude para viver bem o tempo da expetativa do Senhor é a oração. «Reanimai-vos e levantai as vossas cabeças, porque se aproxima a vossa libertação» (v. 28), admoesta o Evangelho de Lucas. Trata-se de nos erguermos e de rezarmos, dirigindo os nossos pensamentos e o nosso coração a Jesus, que está prestes a chegar. Levantamo-nos quando esperamos algo ou alguém. Nós aguardamos Jesus, queremos esperar na oração, que está estreitamente ligada à vigilância. Rezar, esperar Jesus, abrir-se aos outros, ser vigilantes, não nos fecharmos em nós mesmos. Mas se pensarmos no Natal num clima de consumismo, de ver o que posso comprar para fazer isto e aquilo, de festa mundana, Jesus passará e não o encontraremos. Esperamos Jesus e queremos esperá-lo na oração, que está estreitamente ligada à vigilância.

Mas qual é o horizonte da nossa expetativa orante? No-lo indicam, na Bíblia, sobretudo as vozes dos profetas. Hoje é a de Jeremias, que fala ao povo duramente provado pelo exílio e que corre o risco de perder a própria identidade. Inclusive nós, cristãos, que também somos povo de Deus, corremos o risco de nos mundanizarmos e de perdermos a nossa identidade, aliás, de “paganizarmos” o estilo cristão. Por isso, precisamos da Palavra de Deus que, através do profeta, nos anuncia: «Eis que virão outros dias. E nesses dias cumprirei as promessas de bem que fiz [...]. Farei nascer de David um rebento justo que exercerá o direito e a equidade na terra» (33, 14-15). E aquele rebento justo é Jesus, é Jesus que vem e que nós esperamos. A Virgem Maria, que nos traz Jesus, Mulher da expetativa e da oração, nos ajude a revigorar a nossa esperança nas promessas do seu Filho Jesus, para nos levar a experimentar que, através das adversidades da história, Deus permanece sempre fiel, servindo-se também dos erros humanos para manifestar a sua misericórdia.

Papa Francisco
(Angelus, 2 de dezembro de 2018)

Na 1ªleitura (Jer 33, 14-16) Jeremias, garante-nos que o nosso Deus é fiel e cumpre sempre as Suas promessas. Alegremo-nos, pois o Senhor fará germinar, de David, um rebento de justiça que nos salvará a todos.

“Eis o que diz o Senhor: «Dias virão, em que cumprirei a promessa que fiz à casa de Israel e à casa de Judá: Naqueles dias, naquele tempo, farei germinar para David um rebento de justiça que exercerá o direito e a justiça na terra. Naqueles dias, o reino de Judá será salvo e Jerusalém viverá em segurança. Este é o nome que chamarão à cidade: ‘O Senhor é a nossa justiça’».” 

Na 2ªleitura (1 Tes 3, 12 – 4, 2) S. Paulo exorta-nos a crescer na caridade uns para com os outros. Eis um bom desafio para a caminhada deste Advento.

“Irmãos: O Senhor vos faça crescer e abundar na caridade uns para com os outros e para com todos, tal como nós a temos tido para convosco. O Senhor confirme os vossos corações numa santidade irrepreensível, diante de Deus, nosso Pai, no dia da vinda de Jesus, nosso Senhor, com todos os santos. Finalmente, irmãos, eis o que vos pedimos e recomendamos no Senhor Jesus: recebestes de nós instruções sobre o modo como deveis proceder para agradar a Deus e assim estais procedendo; mas deveis progredir ainda mais. Conheceis bem as normas que vos demos da parte do Senhor Jesus.”

No evangelho (Lc 21, 25-28.34-36) S . Lucas projeta-nos para o último momento da vinda do Senhor Jesus e fá-lo alertando-nos para a necessidade de vigiarmos e orarmos em todo o tempo. Mais duas boas achegas a seguir no caminho deste advento.

“Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas e, na terra, angústia entre as nações, aterradas com o rugido e a agitação do mar. Os homens morrerão de pavor, na expetativa do que vai suceder ao universo, pois as forças celestes serão abaladas. Então, hão de ver o Filho do homem vir numa nuvem, com grande poder e glória. Quando estas coisas começarem a acontecer, erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima. Tende cuidado convosco, não suceda que os vossos corações se tornem pesados pela intemperança, a embriaguez e as preocupações da vida, e esse dia não vos surpreenda subitamente como uma armadilha, pois ele atingirá todos os que habitam a face da terra. Portanto, vigiai e orai em todo o tempo, para que possais livrar-vos de tudo o que vai acontecer e comparecer diante do Filho do homem».” 

Vem, vem Senhor Jesus, que o meu coração se deixe iluminar por Ti.

sábado, 23 de novembro de 2024

Jornada Mundial da Juventude 2024 - Ecclesia

DOMINGO XXXIV DO TEMPO COMUM

SOLENIDADE DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO

Eis-nos chegados ao final do Ano Litúrgico B! O fim do ano litúrgico é celebrado com uma festa – Jesus Cristo, Rei do Universo – que faz a ponte com o Ano Litúrgico C, que iniciaremos na próxima semana. Afinal, a unidade é sempre feita em Jesus Cristo, tudo se orienta para Ele, quer no princípio, quer no fim, Ele é o Alfa e o Ómega, o Senhor do Universo.

Na 1ªleitura (Dan 7, 13-14) Daniel profetiza a vinda do “Filho do homem”, isto é de Jesus Cristo, como o Salvador, o Rei, não só do povo escolhido, mas de todas as nações, por isso também é o nosso Rei e Senhor. Louvemo-l’O e exaltemo-l’O, por todas as maravilhas que fez em nosso favor.

“Contemplava eu as visões da noite, quando, sobre as nuvens do céu, veio alguém semelhante a um filho do homem. Dirigiu-Se para o Ancião venerável e conduziram-no à sua presença. Foi-lhe entregue o poder, a honra e a realeza, e todos os povos, nações e línguas O serviram. O seu poder é eterno, não passará jamais, e o seu reino não será destruído.”  

 

Na 2ªleitura (Ap 1, 5-8) S.João diz-nos que o reino, que é anunciado por Daniel na 1ªleitura, já se realizou em Jesus e continua vivo e atuante, hoje em dia, no meio de nós. Entreguemo-nos de alma e coração, deixemos que Ele nos habite por inteiro, para que, um dia, na plenitude dos tempos Deus, Amor Infinito, seja tudo em todos.

“Jesus Cristo é a Testemunha fiel, o Primogénito dos mortos, o Príncipe dos reis da terra. Àquele que nos ama e pelo seu sangue nos libertou do pecado e fez de nós um reino de sacerdotes para Deus seu Pai, a Ele a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Ámen. Ei-l’O que vem entre as nuvens, e todos os olhos O verão, mesmo aqueles que O trespassaram; e por sua causa hão de lamentar-se todas as tribos da terra. Sim. Ámen. «Eu sou o Alfa e o Ómega», diz o Senhor Deus, «Aquele que é, que era e que há de vir, o Senhor do Universo».” 

No evangelho (Jo 18, 33b-37) S. João conta-nos como Jesus confirmou a Sua realeza. Efetivamente Jesus é o Filho Único de Deus, é Rei, é Senhor, mas de um mundo novo, um mundo de amor infinito por todos e por cada um individualmente, onde: poder significa servir, estar ao serviço; o trono é uma cruz vitoriosa; os primeiros são os mais pobres, os marginalizados, aqueles a quem, tantas vezes, esquecemos, ou ignoramos; os pecadores encontram o Amor; os que andam cansados e abatidos encontram alívio; o Amor Infinito é o limite.

Naquele tempo, disse Pilatos a Jesus: «Tu és o Rei dos Judeus?». Jesus respondeu-lhe: «É por ti que o dizes, ou foram outros que to disseram de Mim?». Disse-Lhe Pilatos: «Porventura eu sou judeu? O teu povo e os sumos sacerdotes é que Te entregaram a mim. Que fizeste?». Jesus respondeu: «O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que Eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui». Disse-Lhe Pilatos: «Então, Tu és Rei?». Jesus respondeu-lhe: «É como dizes: sou Rei. Para isso nasci e vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz».” 

Senhor, bendito e louvado sejas, hoje e sempre e por toda a eternidade. Ámen.

Bom dia, estimados irmãos e irmãs!

A solenidade de Jesus Cristo Rei do universo, que celebramos hoje, é colocada no fim do ano litúrgico e recorda que a vida da criação não progride por acaso, mas procede rumo a uma meta final: a manifestação definitiva de Cristo, Senhor da história e de toda a criação. A conclusão da história será o seu reino eterno. O hodierno trecho evangélico (cf. Jo 18, 33b-37) fala-nos deste reino, o reino de Cristo, o reino de Jesus, narrando a situação humilhante na qual se encontrou Jesus depois de ter sido preso no Getsémani: amarrado, insultado, acusado e levado diante das autoridades de Jerusalém. Depois, foi apresentado ao procurador romano, como alguém que atenta ao poder público, para se tornar o rei dos judeus. Então Pilatos faz a sua investigação e num interrogatório dramático pergunta-lhe por duas vezes se Ele era um rei (cf. vv. 33b-37).

E Jesus desde o início responde que o seu reino «não é deste mundo» (v. 36). Em seguida afirma: «Tu dizes que eu sou rei» (v. 37). Observando toda a sua vida é evidente que Jesus não tem ambições políticas. Recordemos que depois da multiplicação dos pães, o povo entusiasmado pelo milagre, o teria proclamado rei, para derrubar o poder romano e restabelecer o reino de Israel. Mas para Jesus o reino é outra coisa, e não se realiza certamente com a revolta, a violência e a força das armas. Por isso retirou-se sozinho para o monte e aí permanece a rezar (cf. Jo 6, 5-15). Depois, respondendo a Pilatos, evidencia que os seus discípulos não combateram para o defender. Diz: «Se o meu Reino fosse deste mundo, os meus súditos certamente teriam pelejado para que eu não fosse entregue aos judeus» (v. 36).

Jesus quer fazer compreender que acima do poder político há outro muito maior, que não se obtém com meios humanos. Ele veio à terra para exercer este poder, que é o amor, dando testemunho da verdade (cf. v. 37). Trata-se da verdade divina que enfim é a mensagem essencial do Evangelho: «Deus é amor» (1 Jo 4, 8) e deseja estabelecer no mundo o seu reino de amor, justiça e paz. Este é o reino do qual Jesus é o rei e que se estende até ao fim dos tempos. A história ensina-nos que os reinos fundados no poder das armas e na prevaricação são frágeis e mais cedo ou mais tarde desabam. Mas o reino de Deus é fundado no seu amor e enraizado nos corações — o reino de Deus enraíza-se nos corações — conferindo a quem o acolhe paz, liberdade e plenitude de vida. Todos nós queremos paz, todos nós queremos liberdade e plenitude. E como se faz? Deixa que o amor de Deus, o reino de Deus, o amor de Jesus se enraíze no teu coração e terás paz, terás liberdade e plenitude.

Jesus hoje pede-nos para deixarmos que Ele se torne o nosso rei. Um rei que com a sua palavra, o seu exemplo e a sua vida imolada na cruz nos salvou da morte, e indica — este rei — o caminho ao homem perdido, dá luz nova à nossa existência marcada pela dúvida, pelo medo e pelas provações de todos os dias. Mas não devemos esquecer que o reino de Jesus não é deste mundo. Ele só poderá dar um sentido novo à nossa vida, às vezes posta a dura prova inclusive pelos nossos erros e pecados, se não seguirmos as lógicas do mundo e dos seus “reis”.

A Virgem Maria nos ajude a acolher Jesus como rei da nossa vida e a difundir o seu reino, dando testemunho da verdade que é o amor.

Papa Francisco
(Angelus, 15 de novembro de 2018)


Documento final do Sínodo dos Bispos

sábado, 16 de novembro de 2024

 DOMINGO XXXIII DO TEMPO COMUM

Estamos quase no final do Ano Litúrgico B, mais especificamente, no penúltimo domingo do tempo comum. Talvez por isso, as leituras de hoje, numa linguagem apocalítica, projetam-nos para o fim dos tempos. É tempo de olharmos para o futuro com esperança, porque Jesus nos deu conhecer o quanto somos amados por Deus e nos garantiu que continua a caminhar connosco para n’Ele, um dia, quando for a nossa vez, também nós podermos contemplar Deus face a face. Não estamos sós, Ele habita-nos e é a nossa força, a razão de ser da nossa esperança.

Na 1ªleitura (Dan 12,1-3) o profeta Daniel confia-nos à proteção de S.Miguel Arcanjo. Deixemo-nos proteger pelo “grande chefe dos Anjos”! Com tão grande defensor acredito que, se fizermos a nossa parte, na procura e entrega contínuas a Deus, em todas as situações da nossa vida, seremos salvos. 

“Naquele tempo, surgirá Miguel, o grande chefe dos Anjos, que protege os filhos do teu povo. Será um tempo de angústia, como não terá havido até então, desde que existem nações. Mas nesse tempo, virá a salvação para o teu povo, para aqueles que estiverem inscritos no livro de Deus. Muitos dos que dormem no pó da terra acordarão, uns para a vida eterna, outros para a vergonha e o horror eterno. Os sábios resplandecerão como a luz do firmamento e os que tiverem ensinado a muitos o caminho da justiça brilharão como estrelas por toda a eternidade.”

Na 2ªleitura (Hebr 10, 11-14.18) S. Paulo continua a situar-nos, tal como fez nos domingos anteriores, em Jesus o Único e Verdadeiro Sacerdote. Ao vencer a morte, Jesus, de um vez para sempre, inseriu-nos numa dinâmica de vida eterna. N’Ele é possível vencer a morte do pecado e ressuscitar para a vida. Só Ele é que nos ama, a nós os pecadores e nos resgatou para Deus. Deixemo-nos possuir pelo Amor. 

Todo o sacerdote da antiga aliança se apresenta cada dia para exercer o seu ministério e oferecer muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca poderão perdoar os pecados. Cristo, ao contrário, tendo oferecido pelos pecados um único sacrifício, sentou-Se para sempre à direita de Deus, esperando desde então que os seus inimigos sejam postos como escabelo dos seus pés. Porque, com uma única oblação, tornou perfeitos para sempre os que Ele santifica. Onde há remissão dos pecados, já não há necessidade de oblação pelo pecado.”

No evangelho (Mc 13, 24-32) S.Marcos convida-nos a estarmos sempre vigilantes, porque não sabemos nem o dia, nem a hora em que o Senhor virá. 

“Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Naqueles dias, depois de uma grande aflição, o sol escurecerá e a lua não dará a sua claridade; as estrelas cairão do céu e as forças que há nos céus serão abaladas. Então, hão de ver o Filho do homem vir sobre as nuvens, com grande poder e glória. Ele mandará os Anjos, para reunir os seus eleitos dos quatro pontos cardeais, da extremidade da terra à extremidade do céu. Aprendei a parábola da figueira: quando os seus ramos ficam tenros e brotam as folhas, sabeis que o Verão está próximo. Assim também, quando virdes acontecer estas coisas, sabei que o Filho do homem está perto, está mesmo à porta. Em verdade vos digo: Não passará esta geração sem que tudo isto aconteça. Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão. Quanto a esse dia e a essa hora, ninguém os conhece: nem os Anjos do Céu, nem o Filho; só o Pai».” 

S.Miguel Arcanjo rogai por nós.

 

Amados irmãos e irmãs, bom dia!

O excerto evangélico da liturgia de hoje inicia com uma frase de Jesus que nos deixa estupefactos: «O sol escurecer-se-á e a lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do céu» (Mc 13, 24-25). Mas como, até o Senhor começa a fazer catastrofismos? Não, esta não é certamente a sua intenção. Ele quer que compreendamos que tudo neste mundo, mais cedo ou mais tarde, passa. Até o sol, a lua e as estrelas que formam o “firmamento” – palavra que indica “firmeza”, “estabilidade” – estão destinados a passar.

No final, porém, Jesus diz o que não passará: «O céu e a terra passarão – diz – mas as minhas palavras não passarão» (v. 31). As palavras do Senhor não passam. Ele estabelece uma distinção entre as coisas penúltimas, que passam, e as coisas últimas, que permanecem. É uma mensagem para nós, para nos guiar nas nossas escolhas importantes da vida, para nos orientar naquilo em que vale a pena investir a vida. No que é transitório ou nas palavras do Senhor, que permanecem para sempre? Obviamente nestas. Mas não é fácil. De facto, as coisas que caem sob os nossos sentidos e nos dão satisfação imediata atraem-nos, enquanto as palavras do Senhor, embora bonitas, vão além do imediato e requerem paciência. Somos tentados a agarrar-nos ao que vemos e tocamos e ao que nos parece mais seguro. É humano, a tentação é esta. Mas é um engano, pois «o céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão». Portanto, eis o convite: não construir a vida na areia. Quando se constrói uma casa, escava-se em profundidade e lançam-se sólidos fundamentos. Só um estulto diria que é dinheiro desperdiçado em algo que não pode ser visto. O discípulo fiel, para Jesus, é aquele que funda a sua vida na rocha, que é a sua Palavra que não passa (cf. Mt 7, 24-27), sobre a firmeza da palavra de Jesus: este é o fundamento da vida que Jesus quer de nós, e que não passará.

E agora a pergunta – sempre, quando se lê a Palavra de Deus, formulam-se perguntas – perguntemo-nos: qual é o centro, qual é o coração pulsante da Palavra de Deus? O que, em suma, dá solidez à vida e nunca acabará? Diz-nos São Paulo. O centro, precisamente, o coração palpitante, o que dá solidez, é a caridade: «A caridade nunca acabará» (1 Cor 13, 8), diz São Paulo, isto é, o amor. Quem faz o bem, investe para a eternidade. Quando vemos uma pessoa generosa e prestável, mansa, paciente, que não sente inveja, não tagarela, não se vangloria, não se encha de orgulho, não falta ao respeito (cf. 1 Cor 13, 4-7), esta é uma pessoa que constrói o Céu na terra. Pode não ter visibilidade, não ter uma carreira, não ser manchete, mas o que faz não se perderá. Porque o bem nunca se perde, o bem permanece para sempre.

E nós, irmãos e irmãs, perguntemo-nos: no que estamos a investir a nossa vida? Em coisas que passam, como dinheiro, sucesso, aparência, bem-estar físico? Disto, nada levaremos. Estamos apegados às coisas terrenas, como se vivêssemos aqui para sempre? Enquanto somos jovens, saudáveis, tudo está bem, mas quando chega o momento da despedida devemos deixar tudo. A Palavra de Deus hoje adverte-nos: a cena deste mundo passa. E só o amor permanecerá. Basear a própria vida na Palavra de Deus, portanto, não é fugir da história, é imergir-se nas realidades terrenas para as tornar sólidas, para as transformar com amor, imprimindo-lhes o sinal da eternidade, o sinal de Deus. Eis, então, um conselho para fazer as escolhas importantes. Quando não sei o que fazer, como fazer uma escolha definitiva, uma escolha importante, uma escolha que envolve o amor de Jesus, o que devo fazer? Antes de decidirmos, imaginemos que estamos perante Jesus, como no final da vida, perante Aquele que é amor. E pensando em nós mesmos ali, na sua presença, no limiar da eternidade, tomamos a decisão para o hoje. É assim que devemos decidir: olhando sempre para a eternidade, olhando para Jesus. Pode não ser o mais fácil, o mais imediato, mas será aquela a boa decisão, sem dúvida (cf. Santo Inácio de Loyola, Exercícios espirituais, 187).

Que Nossa Senhora nos ajude a fazer as escolhas importantes na vida como ela fez: segundo  o amor, segundo Deus.

Papa Francisco
(Angelus, 14 de novembro de 2021)

VIII Dia Mundial dos Pobres - 2024 - Mensagem do Papa Francisco


MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO

PARA O VIII DIA MUNDIAL DOS POBRES

XXXIII Domingo do Tempo Comum
17 de novembro de 2024

A oração do pobre eleva-se até Deus (cf. Sir 21, 5)

Caros irmãos e irmãs!

1. A oração do pobre eleva-se até Deus (cf. Sir 21, 5). No ano dedicado à oração, em vista do Jubileu Ordinário de 2025, esta expressão da sabedoria bíblica é ainda mais oportuna a fim de nos preparar para o VIII Dia Mundial dos Pobres, que acontecerá no próximo 17 de novembro. A esperança cristã inclui também a certeza de que a nossa oração chega à presença de Deus; não uma oração qualquer, mas a oração do pobre. Reflitamos sobre esta Palavra e “leiamo-la” nos rostos e nas histórias dos pobres que encontramos no nosso dia-a-dia, para que a oração se torne um modo de comunhão com eles e de partilha do seu sofrimento.

sábado, 9 de novembro de 2024

 XXXII DOMINGO DO TEMPO COMUM

As leituras de hoje fazem um apelo a uma confiança total em Deus. Mas, não ficam por aqui, desafiam-nos também a uma entrega a Deus por inteiro, a darmos sem medida, a darmo-nos na totalidade do que somos e temos.

Na 1ªleitura (1 Reis 17, 10-16) Elias põe à prova a fé da viúva de Sarepta. E esta mulher de fibra, depois de interpor as suas dúvidas, faz tal qual lhe é dito pelo profeta. E “desde aquele dia, nem a panela da farinha se esgotou, nem se esvaziou a almotolia do azeite, como o Senhor prometera pela boca de Elias.”  
A uma confiança total, como a desta viúva, Deus manifesta-se como é: “Amor” infinito que se dá continuamente por todos e, em especial, a cada um individualmente.

“Naqueles dias, o profeta Elias pôs-se a caminho e foi a Sarepta. Ao chegar às portas da cidade, encontrou uma viúva a apanhar lenha. Chamou-a e disse-lhe: «Por favor, traz-me uma bilha de água para eu beber». Quando ela ia a buscar a água, Elias chamou-a e disse: «Por favor, traz-me também um pedaço de pão». Mas ela respondeu: «Tão certo como estar vivo o Senhor, teu Deus, eu não tenho pão cozido, mas somente um punhado de farinha na panela e um pouco de azeite na almotolia. Vim apanhar dois cavacos de lenha, a fim de preparar esse resto para mim e meu filho. Depois comeremos e esperaremos a morte». Elias disse-lhe: «Não temas; volta e faz como disseste. Mas primeiro coze um pãozinho e traz-mo aqui. Depois prepararás o resto para ti e teu filho. Porque assim fala o Senhor, Deus de Israel: ‘Não se esgotará a panela da farinha, nem se esvaziará a almotolia do azeite, até ao dia em que o Senhor mandar chuva sobre a face da terra’». A mulher foi e fez como Elias lhe mandara; e comeram ele, ela e seu filho. Desde aquele dia, nem a panela da farinha se esgotou, nem se esvaziou a almotolia do azeite, como o Senhor prometera pela boca de Elias.”

Na 2ª leitura (Hebr 9, 24-28) S.Paulo continua a situar-nos em Jesus, o Verdadeiro e Único Sacerdote, que sendo Deus, se identifica totalmente connosco, assumindo a condição humana. E é no alto da Cruz  que, o Filho Amado de Deus, todo Se Lhe entrega e nos conquista, de uma vez para sempre, numa manifestação de amor sem fim, a condição de filhos no Filho. Deixemo-nos amar, assim perdidamente, por Deus Uno e Trino, Amor incomparável por todos e por cada um de nós. Que Deus, Amor infinito, possa, um dia, ser conhecido e experimentado por todos, sem exceção de qualquer espécie, ou condição.

“Cristo não entrou num santuário feito por mãos humanas, figura do verdadeiro, mas no próprio Céu, para Se apresentar agora na presença de Deus em nosso favor. E não entrou para Se oferecer muitas vezes, como o sumo sacerdote que entra cada ano no Santuário, com sangue alheio; nesse caso, Cristo deveria ter padecido muitas vezes, desde o princípio do mundo. Mas Ele manifestou-Se uma só vez, na plenitude dos tempos, para destruir o pecado pelo sacrifício de Si mesmo. E, como está determinado que os homens morram uma só vez e a seguir haja o julgamento, assim também Cristo, depois de Se ter oferecido uma só vez para tomar sobre Si os pecados da multidão, aparecerá segunda vez, sem a aparência do pecado, para dar a salvação àqueles que O esperam.”

No evangelho (Mc 12, 38-44) Jesus ensina-nos como devemos proceder com o que somos e temos. É pela forma como procede a viúva, que “ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver”, que somos chamados a definir os nossos critérios, a “medida” da nossa relação com Deus e com o próximo: dando-nos e dando sem medida.

“Naquele tempo, Jesus ensinava a multidão, dizendo: «Acautelai-vos dos escribas, que gostam de exibir longas vestes, de receber cumprimentos nas praças, de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes. Devoram as casas das viúvas, com pretexto de fazerem longas rezas. Estes receberão uma sentença mais severa». Jesus sentou-Se em frente da arca do tesouro a observar como a multidão deitava o dinheiro na caixa. Muitos ricos deitavam quantias avultadas. Veio uma pobre viúva e deitou duas pequenas moedas, isto é, um quadrante. Jesus chamou os discípulos e disse-lhes: «Em verdade vos digo: Esta pobre viúva deitou na caixa mais do que todos os outros. Eles deitaram do que lhes sobrava, mas ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver».”

Senhor, Pai, Filho e Espírito Santo, ensina-me a toda me dar, a Ti e ao próximo, no dia a dia  da vida, onde quer que me encontre, com tudo o que sou e tenho, com tudo o me que deste a graça de ser e obter. Ámen!

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

A cena descrita no Evangelho da Liturgia de hoje tem lugar no interior do Templo de Jerusalém. Jesus observa, olha para o que está a acontecer nesse lugar, o mais santo de todos, e vê como os escribas gostam de andar por ali para serem notados, saudados e reverenciados, e para terem lugares de honra. E Jesus diz que eles «devoram as casas das viúvas a pretexto de longas orações» (Mc 12, 40). Ao mesmo tempo, os seus olhos vislumbram outra cena: uma pobre viúva, precisamente uma daquelas exploradas pelos poderosos, lança ao tesouro do Templo «tudo o que possuía, todo o seu sustento» (v. 44). Assim diz o Evangelho, ela deitou no tesouro todo o seu sustento. O Evangelho apresenta-nos este forte contraste: os ricos, que dão o que é supérfluo para se mostrarem, e uma mulher pobre que, sem aparecer, oferece todo o pouco que possui. Dois símbolos de atitudes humanas.

Jesus olha para as duas cenas. E é precisamente este verbo – “olhar” – que resume o seu ensinamento: daqueles que vivem a fé com duplicidade, como os escribas, e devemos “ter cuidado” para não nos tornarmos como eles; enquanto para a viúva devemos “olhar” a fim de a tomar como modelo. Detenhamo-nos nisto: cuidado com os hipócritas e olhar para a pobre viúva.

Antes de mais, cuidado com os hipócritas, ou seja, prestar atenção para não basear a vida no culto da aparência, da exterioridade, no cuidado exagerado da própria imagem. E, sobretudo, cuidado para não submeter a fé aos nossos interesses. Aqueles escribas cobriam, com o nome de Deus, a própria vanglória e, pior ainda, usavam a religião para tratar dos seus negócios, abusando da sua autoridade e explorando os pobres. Aqui vemos essa atitude muito negativa que ainda hoje há em tantos lugares, o clericalismo, este estar acima dos humildes, explorando-os, “espancando-os”, sentindo-se perfeitos. Este é o mal do clericalismo. É uma advertência para qualquer tempo e para todos, para a Igreja e para a sociedade: nunca se aproveitar do próprio papel para esmagar os outros, nunca ganhar dinheiro à custa dos mais fracos! E vigiemos, para que não caiamos na vaidade, para que não nos fixemos nas aparências, perdendo a substância e vivendo na superficialidade. Perguntemo-nos, isso ajudar-nos-á?: no que dizemos e fazemos, queremos ser apreciados e gratificados, ou queremos estar ao serviço de Deus e do próximo, especialmente dos mais fracos? Vigiemos sobre as falsidades do coração, a hipocrisia, que é uma doença perigosa da alma! É um pensamento duplo, um duplo julgamento, como a própria palavra diz: “julgar sob”, parecer de uma forma e “hipo”, sob, ter outro pensamento. Duplos, pessoas com alma dupla, duplicidade da alma.

E para curar esta doença, Jesus convida-nos a olhar para a pobre viúva. O Senhor denuncia a exploração desta mulher que, para fazer a oferta, deve regressar a casa até sem o pouco que tem para viver. Como é importante libertar o sagrado dos vínculos com o dinheiro! Jesus já o tinha dito noutra ocasião: não se pode servir a dois senhores. Ou serves a Deus   – e pensamos que Ele está a dizer “ou o diabo”, não – ou Deus ou dinheiro. Ele é um senhor, e Jesus diz que não o devemos servir. Mas, ao mesmo tempo, Jesus elogia o facto que aquela viúva deita tudo o que possui no tesouro. Não lhe sobra nada, mas encontra tudo em Deus. Ela não tem receio de perder o pouco que tem, porque confia na abundância de Deus, e esta abundância de Deus multiplica a alegria do doador. Isto também nos faz pensar naquela outra viúva, a do profeta Elias, que estava prestes a fazer um pão com a última farinha e o último óleo que tinha; Elias diz-lhe: “Dá-me de comer” e ela dá; e a farinha nunca diminuirá, um milagre (cf. 1 Rs 17, 9-16). O Senhor, diante da generosidade das pessoas, vai sempre além, é mais generoso. Mas é Ele, não a nossa avareza. Eis então que Jesus propõe aquela senhora como mestra de fé: ela não frequenta o Templo para limpar a própria consciência, não reza para se mostrar, não ostenta a fé, mas doa com o coração, com generosidade e gratuidade. As suas moedinhas têm um som mais bonito do que as grandes ofertas dos ricos, porque exprimem uma vida dedicada a Deus com sinceridade, uma fé que não vive das aparências, mas da confiança incondicional. Aprendamos com ela: uma fé sem enfeites exteriores, mas sincera interiormente; uma fé feita de amor humilde a Deus e aos irmãos.

E agora dirijamo-nos à Virgem Maria, que com coração humilde e transparente fez de toda a sua vida um dom para Deus e para o seu povo.

Papa Francisco
(Angelus, 7 de novembro de 2021)