sábado, 28 de setembro de 2024

 XXVI DOMINGO DO TEMPO COMUM

A liturgia da palavra de hoje alerta-nos para a necessidade de armarmos e estarmos abertos aos outros, à sua capacidade de serem melhores, ou tão bons como nós. Ninguém é dono do Espírito Santo que sopra sobre quem quer, derramando a Sua Graça sobre todos, os que são dos nossos grupos e os que estão fora deles.

Na 1ªleitura (Num 11, 25-29) verificamos que o querermos ser os únicos escolhidos, aqueles que recebem o Espírito Santo, já vem de muito longe, é pecado velho. Moisés ao responder a Josué dá uma resposta que é atualíssima e deve ser defendida ainda hoje: «Estás com ciúmes por causa de mim? Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta e que o Senhor infundisse o seu Espírito sobre eles!». 

“Naqueles dias, o Senhor desceu na nuvem e falou com Moisés. Tirou uma parte do Espírito que estava nele e fê-lo poisar sobre setenta anciãos do povo. Logo que o Espírito poisou sobre eles, começaram a profetizar; mas não continuaram a fazê-lo. Tinham ficado no acampamento dois homens: um deles chamava-se Eldad e o outro Medad. O Espírito poisou também sobre eles, pois contavam-se entre os inscritos, embora não tivessem comparecido na tenda; e começaram a profetizar no acampamento. Um jovem correu a dizê-lo a Moisés: «Eldad e Medad estão a profetizar no acampamento». Então Josué, filho de Nun, que estava ao serviço de Moisés desde a juventude, tomou a palavra e disse: «Moisés, meu senhor, proíbe-os». Moisés, porém, respondeu-lhe: «Estás com ciúmes por causa de mim? Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta e que o Senhor infundisse o seu Espírito sobre eles!».”

Na 2ª leitura (Tg 5, 1-6)  S.Tiago é, mais uma vez, claríssimo. Desta vez condena o mau uso da riqueza e denuncia situações em que não usamos o que Deus nos dá para servir os demais. Tudo o que temos e somos é para estar ao serviço do nosso próximo.

“Agora, vós, ó ricos, chorai e lamentai-vos, por causa das desgraças que vão cair sobre vós. As vossas riquezas estão apodrecidas e as vossas vestes estão comidas pela traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se, e a sua ferrugem vai dar testemunho contra vós e devorar a vossa carne como fogo. Acumulastes tesouros no fim dos tempos. Privastes do salário os trabalhadores que ceifaram as vossas terras. O seu salário clama; e os brados dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do Universo. Levastes na terra uma vida regalada e libertina, cevastes os vossos corações para o dia da matança. Condenastes e matastes o justo e ele não vos resiste.”

No evangelho (Mc 9, 38-43.45.47-48) Jesus ensina-nos que ninguém é dono do Espírito Santo, que Ele sopra em quem quer e onde quer. Devemos ficar sempre felizes e agradecidos pelo anúncio do evangelho em nome de Jesus, seja este feito por quem for. Para além de nos desafiar a olharmos o outro com amor, quando reconhecemos que é melhor do que nós, com mais dons, ou melhor sucedido, compromete-nos na necessidade de sermos intransigentes connosco próprios no cumprimento do bem, de modo a não sermos causa de pecado para ninguém.

“Naquele tempo, João disse a Jesus: «Mestre, nós vimos um homem a expulsar os demónios em teu nome e procurámos impedir-lho, porque ele não anda connosco». Jesus respondeu: «Não o proibais; porque ninguém pode fazer um milagre em meu nome e depois dizer mal de Mim. Quem não é contra nós é por nós. Quem vos der a beber um copo de água, por serdes de Cristo, em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa. Se alguém escandalizar algum destes pequeninos que creem em Mim, melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço uma dessas mós movidas por um jumento e o lançassem ao mar. Se a tua mão é para ti ocasião de escândalo, corta-a; porque é melhor entrar mutilado na vida do que ter as duas mãos e ir para a Geena, para esse fogo que não se apaga. E se o teu pé é para ti ocasião de escândalo, corta-o; porque é melhor entrar coxo na vida do que ter os dois pés e ser lançado na Geena. E se um dos teus olhos é para ti ocasião de escândalo, deita-o fora; porque é melhor entrar no reino de Deus só com um dos olhos do que ter os dois olhos e ser lançado na Geena, onde o verme não morre e o fogo nunca se apaga».”

Senhor, meu Deus, ensina-me a amar os outros, como Tu os amas. Ama-os em mim. 

Amados irmãos e irmãs, bom dia!

O Evangelho da liturgia de hoje narra um breve diálogo entre Jesus e o apóstolo João, que fala em nome de todo o grupo de discípulos. Eles viram um homem que expulsava demónios em nome do Senhor, mas impediram-no de o fazer porque não pertencia ao seu grupo. Jesus, neste momento, convida-os a não impedirem aqueles que praticam o bem, pois concorrem para realizar o projeto de Deus (cf. Mc 9, 38-41). Depois admoesta-os: em vez de dividir as pessoas em boas e más, somos todos chamados a vigiar o nosso coração, para não sucumbirmos ao mal e dar escândalo aos outros (cf. vv. 42-45, 47-48).

As palavras de Jesus revelam uma tentação e oferecem uma exortação. A tentação é o fechamento. Os discípulos desejavam impedir uma obra de bem só porque a pessoa que a realizava não pertencia ao seu grupo. Eles pensam que têm “direitos exclusivos sobre Jesus” e que são os únicos autorizados a trabalhar pelo Reino de Deus. Mas deste modo acabam por se sentir prediletos e consideram os outros como estranhos, a ponto de se tornarem hostis para com eles. Com efeito, irmãos e irmãs, cada fechamento afasta quantos não pensam como nós.   E isto – como sabemos   – é a raiz de tantos males da história: a partir do absolutismo que muitas vezes gerou ditaduras e de tantas violências para com aqueles que são diferentes.

Mas também devemos vigiar sobre o fechamento na Igreja. Porque o diabo, que é o divisor – é isso que a palavra “diabo” significa, ele faz divisão – insinua sempre suspeitas para dividir e excluir pessoas. Ele tenta com astúcia, e pode acontecer como com aqueles discípulos, que chegam ao ponto de excluir até quantos tinham expulsado o próprio diabo! Por vezes também nós, em vez de sermos comunidades humildes e abertas, podemos dar a impressão de sermos “os melhores da classe” e manter os outros à distância; em vez de procurarmos caminhar com todos, podemos exibir a nossa “carta de condução de crentes”: “sou crente”, “sou católico”, “sou católica”, “pertenço a esta associação, àquela outra...”; e os outros, pobrezinhos, não. Isto é um pecado. Exibir a “carta de condução de crentes” para julgar e excluir. Peçamos a graça de superar a tentação de julgar e de catalogar, e que Deus nos preserve da mentalidade do “ninho”, a de nos preservarmos ciosamente no pequeno grupo daqueles que se consideram bons:  o sacerdote com os seus fidelíssimos, os agentes pastorais fechados entre si para que ninguém se infiltre, os movimentos e as associações no próprio carisma particular, e assim por diante. Fechados. Tudo isto corre o risco de tornar as comunidades cristãs lugares de separação e não de comunhão. O Espírito Santo não quer fechamentos; quer abertura, comunidades acolhedoras onde haja lugar para todos.

E depois, no Evangelho, há a exortação de Jesus: em vez de julgarmos tudo e todos, prestemos atenção a nós mesmos! Na verdade, o risco é sermos inflexíveis para com os outros e indulgentes com nós próprios. E Jesus exorta-nos a não fazer acordos com o mal, com imagens que impressionam: “Se algo em ti é motivo de escândalo, corta-o”! (cf. vv. 43-48). Se algo te faz mal, corta-o! Ele não diz: “Se algo é motivo de escândalo, pára, reflete, melhora um pouco...”. Não: “Corta-o! Imediatamente!”.  Nisto Jesus é radical, exigente, mas para o nosso bem, como um bom médico. Cada corte, cada poda, é para crescer melhor e dar frutos no amor. Então perguntemo-nos: o que há em mim que contrasta com o Evangelho? O que quer Jesus que eu corte concretamente na minha vida?

Rezemos à Imaculada Virgem Maria para que nos ajude a sermos acolhedores para com os outros e vigilantes em relação a nós mesmos.

Papa Francisco

(Angelus , 26 de setembro de 2021)

sábado, 21 de setembro de 2024

 XXV DOMINGO DO TEMPO COMUM

Nas leituras deste domingo somos confrontados com o que verdadeiramente significa ser “o maior, o primeiro” no reino de Deus. Aliás, no concreto da vida, é bem visível  que  precisamos de redescobrir e incarnar as palavras de Jesus no evangelho: «Quem quiser ser o primeiro será o último de todos e o servo de todos».

Na 1ªleitura (Sab 2, 12.17-20) o autor sagrado projeta-nos, tal como no domingo passado, para a Paixão de Jesus. É sempre impressionante ver alguém ser condenado injustamente, mas quando é o Justo, o Filho de Deus, a vítima inocente, parece que tudo desaba e nada faz sentido. Mas, a morte foi vencida, Jesus ressuscitou e restituiu-nos a Vida, revelou-nos o Amor do Pai e então, quando nos deixamos  habitar por Ele, vamos entrando, passo a passo noutra dimensão, que Jesus nos traz no evangelho de hoje. 

“Disseram os ímpios: «Armemos ciladas ao justo, porque nos incomoda e se opõe às nossas obras; censura-nos as transgressões à lei e repreende-nos as faltas de educação. Vejamos se as suas palavras são verdadeiras, observemos como é a sua morte. Porque, se o justo é filho de Deus, Deus o protegerá e o livrará das mãos dos seus adversários. Provemo-lo com ultrajes e torturas, para conhecermos a sua mansidão e apreciarmos a sua paciência. Condenemo-lo à morte infame, porque, segundo diz, Alguém virá socorrê-lo.”

Na 2ªleitura (Tg 3, 16 – 4, 3) S.Tiago, situando-nos, como sempre no concreto da vida, leva-nos a perceber que só em Deus, na Sabedoria, encontraremos a verdadeira paz, a misericórdia e a prática das boas obras. Peçamos ao Senhor que nos encha do Santo Espírito. 

“Caríssimos: Onde há inveja e rivalidade, também há desordem e toda a espécie de más ações. Mas a sabedoria que vem do alto é pura, pacífica, compreensiva e generosa, cheia de misericórdia e de boas obras, imparcial e sem hipocrisia. O fruto da justiça semeia-se na paz para aqueles que praticam a paz. De onde vêm as guerras? De onde procedem os conflitos entre vós? Não é precisamente das paixões que lutam nos vossos membros? Cobiçais e nada conseguis: então assassinais. Sois invejosos e não podeis obter nada: então entrais em conflitos e guerras. Nada tendes, porque nada pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal, pois o que pedis é para satisfazer as vossas paixões.”

No evangelho (Mc 9, 30-37) Jesus, que caminha connosco ao longo da vida, ao ouvir-nos, faz-nos, por certo, a mesma pergunta que fez aos discípulos, quando nos vê andar atrás do sucesso, dos primeiros lugares, da vitória a todo o custo. Logo, também é a nós que nos diz que só se é o primeiro no Reino de Deus, quando se é último, o servo de todos no meio dos homens.

“Naquele tempo, Jesus e os seus discípulos caminhavam através da Galileia. Jesus não queria que ninguém o soubesse, porque ensinava os discípulos, dizendo-lhes: «O Filho do homem vai ser entregue às mãos dos homens, que vão matá-l’O; mas Ele, três dias depois de morto, ressuscitará». Os discípulos não compreendiam aquelas palavras e tinham medo de O interrogar. Quando chegaram a Cafarnaum e já estavam em casa, Jesus perguntou-lhes: «Que discutíeis no caminho?». Eles ficaram calados, porque tinham discutido uns com os outros sobre qual deles era o maior. Então, Jesus sentou-Se, chamou os Doze e disse-lhes: «Quem quiser ser o primeiro será o último de todos e o servo de todos». E, tomando uma criança, colocou-a no meio deles, abraçou-a e disse-lhes: «Quem receber uma destas crianças em meu nome é a Mim que recebe; e quem Me receber não Me recebe a Mim, mas Àquele que Me enviou».” 

Ensina-nos Senhor a amar, os que pões no nosso caminho, estando sempre ao seu serviço. Ama-os em nós.

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

O Evangelho da liturgia de hoje (Mc 9, 30-37) narra que, a caminho de Jerusalém, os discípulos de Jesus estavam a discutir sobre quem «era o maior entre eles» (v. 34). Jesus dirigiu-lhes então uma frase vigorosa, que se aplica também a nós hoje: «Se alguém quiser ser o primeiro, há de ser o último de todos e o servo de todos» (v. 35). Se quiseres ser o primeiro, deves pôr-te no final da fila, ser o último, e servir a todos. Com esta frase lapidária, o Senhor inaugura uma inversão: ele derruba os critérios que marcam o que realmente conta. O valor de uma pessoa já não depende do papel que desempenha, do sucesso que tem, do trabalho que faz, do dinheiro no banco; não, não; não depende disso; a grandeza e o sucesso, aos olhos de Deus, têm uma medida diferente: são calculados pelo serviço. Não pelo que se tem, mas pelo que se dá. Queres ser o primeiro? Serve. Este é o caminho.

Hoje a palavra “serviço” parece um pouco desbotada, desgastada pelo uso. Mas no Evangelho tem um significado exato e concreto. Servir não é uma expressão de cortesia: é fazer como Jesus fez, o qual, resumindo a sua vida em poucas palavras, disse que veio «não para ser servido, mas para servir» (Mc 10, 45). Assim disse o Senhor. Portanto, se quisermos seguir Jesus, devemos percorrer o caminho que ele mesmo traçou, a via do serviço. A nossa fidelidade ao Senhor depende da nossa disponibilidade para servir. E isto, sabemos, custa, pois “sabe a cruz”. Mas à medida que os nossos cuidados e disponibilidade para com os outros crescem, tornamo-nos mais livres por dentro, mais semelhantes a Jesus. Quanto mais servimos, mais sentimos a presença de Deus. Sobretudo quando servimos aqueles que nada têm para nos devolver, os pobres, abraçando as suas dificuldades e necessidades com terna compaixão: e assim descobrimos que somos, por nossa vez, amados e abraçados por Deus.

Jesus, precisamente para ilustrar isto, depois de ter falado da primazia do serviço, faz um gesto. Vimos que os gestos de Jesus são mais fortes do que as palavras que usa. E qual foi o gesto? Ele pega num menino e coloca-a no meio dos discípulos, no centro, no lugar mais importante (cf. v. 36). O menino, no Evangelho, não simboliza a inocência, mas a pequenez. Porque os mais pequeninos, como as crianças, dependem dos outros, dos adultos, precisam de receber. Jesus abraça aquele menino e diz que quem acolhe um pequenino, uma criança, é a Ele que acolhe (cf. v. 37). Eis, antes de mais, quem servir: quantos precisam de receber e não têm como restituir. Servir aqueles que precisam de receber e não têm como restituir. Ao acolher aqueles que estão à margem, negligenciados, acolhemos Jesus, porque Ele está ali. E num pequenino, num pobre a quem servimos, também nós recebemos o terno abraço de Deus.

Amados irmãos e irmãs, interpelados pelo Evangelho, perguntemo-nos: será que eu, que sigo Jesus, me interesso por aqueles que são mais negligenciados? Ou, como os discípulos daquele dia, procuro gratificação pessoal? Será que entendo a vida como uma competição para criar espaço para mim mesmo à custa dos outros, ou será que acredito que sobressair é servir? E, concretamente: dedico tempo a algum “pequenino”, a uma pessoa que não tem os meios para restituir? Ocupo-me de alguém que não me pode restituir, ou apenas dos meus parentes e amigos? São perguntas que podemos formular a nós mesmos.

Que a Virgem Maria, humilde serva do Senhor, nos ajude a compreender que servir não nos diminui, mas faz-nos crescer. E que há mais alegria em dar do que em receber (cf. At 20, 35). 

Papa Francisco

(Angelus , 19 de setembro de 2021)

Incêndios: «Que a morte destes heróis não nos divida mas nos torne mais fortes» – D. Américo Aguiar - Ecclesia

sábado, 14 de setembro de 2024

 XXIV DOMINGO DO TEMPO COMUM

Hoje, as leituras desafiam-nos a olhar para a verdade da nossa vida. Em que Deus acreditamos, de quem vivemos, como testemunhamos o Amor de Deus no dia a dia da vida? Nos momentos de dificuldade e de dor em quem nos centramos efetivamente, a quem nos entregamos, onde pomos a nossa confiança?

Na 1ªleitura (Is 50, 5-9a) Isaías projeta-nos para o mistério da Paixão de Cristo. No Servo Sofredor o profeta como que antecipa Jesus, como Aquele que todo se entrega ao Pai, n’Ele confia totalmente, tendo a certeza de que Ele, a verdadeira Vida, sairá vencedor sobre a morte, neste último combate. Quando, no dia a dia da vida, sentimos o peso da cruz, nos sentimos esmagados e perdidos, entreguemos tudo e confiemo-nos a Jesus, o Servo Sofredor, deixando que, em nós, Ele vença tudo o que nos afasta de Deus Amor. 

O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo. Apresentei as costas àqueles que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam. Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio e por isso não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro como pedra e sei que não ficarei desiludido. O meu advogado está perto de mim. Pretende alguém instaurar-me um processo? Compareçamos juntos. Quem é o meu adversário? Que se apresente! O Senhor Deus vem em meu auxílio. Quem ousará condenar-me?”

Na 2ªleitura (Tg 2, 14-18) S.Tiago traz-nos para o concreto da vida, para o que e o como agimos com os outros no nosso quotidiano. Realmente, que adianta dizermos que acreditamos, se depois o nosso agir não condiz com as nossa palavras? Muitas vezes a coerência de vida não é fácil, mas nunca foi. Precisamos de ir crescendo na intimidade da oração com o Senhor, para que Ele nos habite continuamente, o que fará com que o Espírito Santo nos vá transformando e os nossos atos sejam mais conforme o que professamos.

Irmãos: De que serve a alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Poderá essa fé obter-lhe a salvação? Se um irmão ou uma irmã não tiverem que vestir e lhes faltar o alimento de cada dia, e um de vós lhes disser: «Ide em paz. Aquecei-vos bem e saciai-vos», sem lhes dar o necessário para o corpo, de que lhes servem as vossas palavras? Assim também a fé sem obras está completamente morta. Mas dirá alguém: «Tu tens a fé e eu tenho as obras». Mostra-me a tua fé sem obras, que eu, pelas obras, te mostrarei a minha fé.” 

No evangelho  (Mc 8, 27-35)  S.Pedro aparece-nos no seu melhor e no seu pior. É um homem que reage ao primeiro impulso e, por isso, sinto-o tão próximo. Erra, às vezes, mas é capaz de pedir perdão, de reconhecer que fez mal. Tem um coração enorme. Quão grande é o seu amor ao Senhor. Gosto mesmo deste santo. Que ele interceda por nós. Mas, voltando ao evangelho, nele Jesus desafia-nos a olhar para dentro de nós mesmos e a questionarmo-nos sobre a profundidade do nosso amor por Ele. Quem é o nosso Deus, em quem acreditamos verdadeiramente? Temos medo? Recuamos? Nada de novo, S.Pedro também demonstrou as suas dificuldades, mas nem por isso deixou de ser santo. Como alguém disse um dia, não há cristão sem Cruz. Mas, em Jesus, a Cruz tornou-se a Árvore da Vida, n’ela Ele gerou-nos para Deus. Só em Jesus a Cruz passa a ter sentido, como caminho de Amor. 

Naquele tempo, Jesus partiu com os seus discípulos para as povoações de Cesareia de Filipe. No caminho, fez-lhes esta pergunta: «Quem dizem os homens que Eu sou?». Eles responderam: «Uns dizem João Baptista; outros, Elias; e outros, um dos profetas». Jesus então perguntou-lhes: «E vós, quem dizeis que Eu sou?». Pedro tomou a palavra e respondeu: «Tu és o Messias». Ordenou-lhes então severamente que não falassem d’Ele a ninguém. Depois, começou a ensinar-lhes que o Filho do homem tinha de sofrer muito, de ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas; de ser morto e ressuscitar três dias depois. E Jesus dizia-lhes claramente estas coisas. Então, Pedro tomou-O à parte e começou a contestá-l’O. Mas Jesus, voltando-Se e olhando para os discípulos, repreendeu Pedro, dizendo: «Vai-te, Satanás, porque não compreendes as coisas de Deus, mas só as dos homens». E, chamando a multidão com os seus discípulos, disse-lhes: «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Na verdade, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; mas quem perder a vida, por causa de Mim e do Evangelho, salvá-la-á».”

Senhor, que eu nunca duvide do Teu Amor. Senhor, que eu me deixe sempre abraçar por Ti, na Cruz, na Árvore da Vida. 

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

No trecho evangélico de hoje (cf. Mc 8, 27-35), reapresenta-se a pergunta que atravessa todo o Evangelho de Marcos: quem é Jesus? Mas desta vez é o próprio Jesus que a faz aos discípulos, ajudando-os gradualmente a enfrentar a questão da identidade. Antes de interpelar diretamente os Doze, Jesus quer ouvir deles o que pensam as pessoas sobre Ele — e sabe bem que os discípulos são muito sensíveis à popularidade do Mestre! Portanto, pergunta: «Quem dizem os homens que eu sou?» (v. 27). Sobressai que Jesus é considerado pelo povo um grande profeta. Mas, na realidade, não lhe interessam as sondagens e as bisbilhotices do povo. Ele não aceita sequer que os seus discípulos respondam às suas perguntas com fórmulas já preparadas, citando personagens famosos da Sagrada Escritura, porque uma fé que se reduz às fórmulas é uma fé míope.

O Senhor quer que os seus discípulos de ontem e de hoje estabeleçam com Ele uma relação pessoal, e assim o acolham no centro da sua vida. Por esta razão, incentiva-os a colocar-se em toda a verdade diante de si mesmos, e pergunta: «E vós, quem dizeis que eu sou?» (v. 29). Jesus, hoje, faz este pedido tão direto e confidencial a cada um de nós: “Tu, quem dizes que eu sou? Vós, quem dizeis que eu sou? Quem sou eu para ti?”. Cada um é chamado a responder, no próprio coração, deixando-se iluminar pela luz que o Pai nos dá a fim de conhecer o seu Filho Jesus. E pode acontecer também que nós, assim como Pedro, afirmemos com entusiasmo: «Tu és o Cristo». Contudo, quando Jesus nos comunica claramente o que disse aos discípulos, ou seja, que a sua missão se cumpre não no amplo caminho do sucesso, mas na senda árdua do Servo sofredor, humilhado, rejeitado e crucificado, então pode acontecer também a nós como a Pedro, protestar e rebelar-nos porque isto contrasta com as nossas expectativas, com as expectativas mundanas. Nestes momentos, também nós merecemos a repreensão saudável de Jesus: «Afasta-te de mim, Satanás, porque teus sentimentos não são os de Deus, mas os dos homens» (v. 33).

Irmãos e irmãs, a profissão de fé em Jesus Cristo não pode limitar-se às palavras, mas exige ser autenticada com escolhas e gestos concretos, com uma vida caraterizada pelo amor de Deus, com uma vida grande, com uma vida cheia de amor pelo próximo.

Jesus diz-nos que para o seguir, para sermos seus discípulos, é preciso renegar-se a si mesmos (cf. v. 34), isto é, renegar as pretensões do próprio orgulho egoísta, e carregar a própria cruz. Depois dá a todos uma regra fundamental. E qual é esta regra? «Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á». Muitas vezes na vida, por vários motivos, erramos o caminho, procurando a felicidade só nas coisas ou nas pessoas que tratamos como coisas. Mas a felicidade encontramo-la somente quando o amor, aquele verdadeiro, nos encontra, nos surpreende, nos muda. O amor transforma tudo! E o amor pode mudar-nos também a nós, a cada um de nós. Demonstram-no os testemunhos dos santos.

A Virgem Maria, que viveu a sua fé seguindo fielmente o seu Filho Jesus, nos ajude também a caminhar pela sua estrada, dedicando generosamente a nossa vida a Ele e aos irmãos.

Papa Francisco

(Angelus , 16 de setembro de 2018)